quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Motu Proprio
Ad Tuendam Fidem
Carta Apostólica
sob a forma de Motu Proprio
AD TUENDAM FIDEM
de João Paulo II
com a qual são inseridas algumas normas no
Código de Direito Canónico
e no Código dos Cânones das Igrejas Orientais
Para defender a fé da Igreja Católica contra os erros que se levantam da parte de alguns fiéis, sobretudo daqueles que se dedicam propositadamente às disciplinas da sagrada Teologia, a Nós, cuja tarefa principal é confirmar os irmãos na fé (cf. Lc 22,32), pareceu-nos absolutamente necessário que, nos textos vigentes do Código de Direito Canónico e do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, sejam acrescentadas normas, pelas quais expressamente se imponha o dever de observar as verdades propostas de modo definitivo pelo Magistério da Igreja, referindo também as sanções canónicas concernentes à mesma matéria.
Primera Parte
1. Desde os primeiros séculos até ao dia de hoje, a Igreja professa as verdades sobre a fé em Cristo e sobre o mistério da sua redenção, que depois foram recolhidas nos Símbolos da fé; com efeito, hoje elas são comumente conhecidas e proclamadas pelos fiéis na celebração solene e festiva das Missas como Símbolo dos Apóstolos ou Símbolo Niceno-Constantinopolitano.
Este, o Símbolo Niceno-Constantinopolitano, está contido na Profissão de Fé, recentemente elaborada pela Congregação para a Doutrina da Fé1, e cuja enunciação é imposta de modo especial a determinados fiéis, quando estes assumem um ofício que diz respeito, directa ou indirectamente, à investigação mais profunda no âmbito das verdades acerca da fé e dos costumes, ou que tem a ver com um poder peculiar no governo da Igreja2.
2. A Profissão de fé, devidamente precedida pelo Símbolo Niceno-Constantinopolitano, tem além disso três proposições ou parágrafos que pretendem explicitar as verdades da fé católica que a Igreja, sob a guia do Espírito Santo que lhe "ensina toda a verdade" (Jo 16,13), no decurso dos séculos, perscrutou ou há de perscrutar de maneira mais profunda3.
O primeiro parágrafo, onde se enuncia: "Creio também com fé firme em tudo o que está contido na palavra de Deus, escrita ou transmitida por Tradição, e que a Igreja, quer com juízo solene, quer com magistério ordinário e universal, propõe para se crer como divinamente revelado"4, está convenientemente reconhecido e tem a sua disposição na legislação universal da Igreja nos cânn. 750 do Código de Direito Canônico5 e 598 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais6.
O terceiro parágrafo, que diz: "Adiro além disso, com religioso obséquio da vontade e da inteligência, às doutrinas que o Romano Pontífice ou o Colégio dos Bispos propõem, quando exercem o seu magistério autêntico, mesmo que não as entendam proclamar com um ato definitivo"7, encontra o seu lugar nos cânn. 752 do Código de Direito Canônico8 e 599 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais9.
3. Todavia, o segundo parágrafo, no qual se afirma: "Firmemente aceito e creio também em todas e cada uma das verdades que dizem respeito à doutrina em matéria de fé ou costumes, propostas pela Igreja de modo definitivo"10, não tem cânone algum correspondente nos Códigos da Igreja Católica. É de máxima importância este parágrafo da Profissão de fé, dado que indica as verdades necessariamente conexas com a revelação divina. Estas verdades, que na perscrutação da doutrina católica exprimem uma particular inspiração do Espírito de Deus para a compreensão mais profunda da Igreja de alguma verdade em matéria de fé ou costumes, estão conexas com a revelação divina, quer por razões históricas, quer como consequência lógica.
Segunda Parte
4. Por isso, movido pela referida necessidade, deliberamos oportunamente preencher esta lacuna da lei universal, do seguinte modo:
a) O cân. 750 do Código de Direito Canónico terá a partir de agora dois parágrafos, o primeiro dos quais consistirá no texto do cânone vigente e o segundo apresentará um texto novo, de maneira que, no conjunto, o cân. 750 será assim expresso:
Cân. 750 - §1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias.
§2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.
No cân. 1371, § 1 do Código de Direito Canónico, seja congruentemente acrescentada a citação do cân. 750 § 2, de tal maneira que o cân. 1371, a partir de agora, no conjunto, será assim expresso:
Cân. 1371 - Seja punido com justa pena:
1) quem, fora do caso previsto no cân. 1364 § 1, ensinar uma doutrina condenada pelo Romano Pontífice ou pelo Concílio Ecuménico, ou rejeitar com pertinácia a doutrina referida no cân. 750 § 2 ou no cân. 752, e, admoestado pela Sé Apostólica ou pelo Ordinário, não se retratar;
2) quem, por outra forma, não obedecer à Sé Apostólica, ao Ordinário ou ao Superior quando legitimamente mandam ou proíbem alguma coisa, e, depois de avisado, persistir na desobediência.
b) O cân. 598 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, a partir de agora, terá dois parágrafos, o primeiro dos quais consistirá no texto do cânone vigente e o segundo apresentará um texto novo, de tal maneira que no conjunto o cân. 598 será assim expresso:
Cân. 598 - § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus, escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado, quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos os fiéis cuidem de evitar quaisquer doutrinas que lhe não correspondam.
§2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas.
No cân. 1436 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais tem-se justamente de acrescentar as palavras que se referem ao cân. 598 §2, de tal maneira que, no seu conjunto, o cân. 1436 será expresso assim:
Cân. 1436 - §1. Quem negar uma verdade que deve ser acreditada com fé divina e católica ou a puser em dúvida ou repudiar totalmente a fé cristã, e, legitimamente admoestado, não se corrigir, seja punido como herético ou como apóstata com a excomunhão maior; o clérigo pode, além disso, ser punido com outras penas, não excluída a deposição.
§2. Fora destes casos, quem rejeitar com pertinácia uma doutrina proposta como definitiva, ou defender uma doutrina condenada como errónea pelo Romano Pontífice ou pelo Colégio dos Bispos no exercício do magistério autêntico, e, legitimamente admoestado, não se corrigir, seja punido com uma pena adequada.
5. Ordenamos que seja válido e ratificado tudo o que Nós, com a presente Carta Apostólica dada sob forma de Motu Proprio, decretamos, e prescrevemos que seja inserido na legislação universal da Igreja Católica, respectivamente no Código de Direito Canónico e no Código dos Cânones das Igrejas Orientais, tal como foi acima mostrado, não obstante qualquer coisa em contrário.
Roma, junto de São Pedro, 18 de Maio de 1998, vigésimo ano do Nosso Pontificado.
Apostolos Suos
Carta Apostólica
sob a forma de Motu Proprio
APOSTOLOS SUOS
do Santo Padre João Paulo II
sobre a natureza teológica e jurídica
das Conferências dos Bispos (1)
Parte I - Introdução
1. O Senhor Jesus constituiu os Apóstolos "em colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe a Pedro, escolhido de entre eles".2 Os Apóstolos não foram escolhidos e enviados por Jesus, um independentemente dos outros, mas, ao contrário, formando o grupo dos Doze, como fazem notar os Evangelhos com a expressão, repetidamente usada, "um dos Doze".3 É a todos juntos que o Senhor confia a missão de pregar o Reino de Deus,4 e por Ele são enviados, não isoladamente, mas dois a dois.5 Na Última Ceia, Jesus reza ao Pai pela unidade dos Apóstolos e daqueles que, pela sua palavra, hão de acreditar n'Ele.6 Depois da sua Ressurreição e antes da Ascensão, o Senhor confirma novamente Pedro no supremo múnus pastoral,7 e entrega aos Apóstolos a mesma missão que Ele tinha recebido do Pai.8
Com a descida do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, a realidade do colégio apostólico aparece cheia da nova vitalidade que procede do Paráclito. Pedro "de pé, com os Onze",9 fala à multidão e baptiza um grande número de crentes; a primeira comunidade, vêmo-la unida a ouvir o ensino dos Apóstolos,10 e deles recebe a solução para os problemas pastorais;11 Paulo dirige-se aos Apóstolos, que ficaram em Jerusalém, para assegurar a sua comunhão com eles, evitando o risco de correr em vão.12 A consciência de formarem um corpo indiviso manifesta-se também quando se levanta a questão de obrigar ou não os cristãos vindos do paganismo a observarem determinadas normas da Antiga Lei. Então, na comunidade de Antioquia, "foi resolvido que Paulo, Barnabé e mais alguns outros subissem a Jerusalém para consultarem, sobre esta questão, os Apóstolos e os anciãos".13 Com a finalidade de examinar este problema, os Apóstolos e os anciãos reúnem-se, consultam-se, deliberam, guiados pela autoridade de Pedro, e por fim sentenciam: "O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor mais outras obrigações além destas, que são indispensáveis...".14
2. A missão de salvação que o Senhor confiou aos Apóstolos durará até ao fim do mundo.15 A fim de que tal missão fosse cumprida, segundo a vontade de Cristo, os próprios Apóstolos "trataram de estabelecer sucessores (...); por instituição divina, os Bispos sucedem aos Apóstolos, como pastores da Igreja".16 Com efeito, para desempenhar o ministério pastoral, "os Apóstolos foram enriquecidos por Cristo com uma efusão especial do Espírito Santo que sobre eles desceu,17 e eles mesmos transmitiram este dom do Espírito aos seus colaboradores pela imposição das mãos,18 o qual foi transmitido até aos nossos dias através da consagração episcopal".19
"Assim como, por instituição do Senhor, S. Pedro e os restantes Apóstolos formam um colégio apostólico, assim de igual modo estão unidos entre si o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e os Bispos, sucessores dos Apóstolos".20 Desta maneira, todos os Bispos em comum receberam de Cristo o mandato de anunciar o Evangelho a toda a terra e, por isso, estão obrigados a manter viva solicitude por toda a Igreja, tendo também, para o cumprimento da missão que lhes foi entregue pelo Senhor, a obrigação de colaborarem entre si e com o Sucessor de Pedro,21 em quem está estabelecido "o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e comunhão".22 Por sua vez cada um dos Bispos é princípio e fundamento da unidade nas suas respectivas Igrejas particulares.23
3. Mantendo íntegro o poder de instituição divina que o Bispo tem na sua Igreja particular, a consciência de fazer parte de um corpo indiviso levou os Bispos, ao longo da história da Igreja, a valerem-se, no desempenho da sua missão, de instrumentos, órgãos ou meios de comunicação, que manifestam a comunhão e a solicitude por todas as Igrejas e dão continuidade precisamente à vida do colégio dos Apóstolos: a colaboração pastoral, as consultações, a ajuda mútua, etc.
Desde os primeiros séculos, esta realidade de comunhão encontrou uma expressão particularmente qualificada e característica na celebração dos concílios, entre os quais há que mencionar, além dos Concílios Ecuménicos (o primeiro deles foi o Concílio de Nicéia, em 325), também os concílios particulares, tanto plenários como provinciais, que foram frequentemente celebrados em toda a Igreja, já desde o século II.24
Este costume da celebração dos concílios particulares continuou ao longo de toda a Idade Média. Depois do Concílio de Trento (1545-1563), porém, tal celebração regular foi-se tornando sempre mais rara. Todavia, o Código de Direito Canónico, de 1917, com a intenção de dar novamente vigor a tão veneranda instituição, apresenta também disposições para a celebração de concílios particulares. O cân. 281 do citado Código referia-se ao concílio plenário, estabelecendo que se podia celebrar com a autorização do Sumo Pontífice, que designava um seu delegado para o convocar e presidir. No mesmo Código, previa-se a celebração dos concílios provinciais, pelo menos de vinte em vinte anos 25 e a celebração ao menos quinquenal de conferências ou assembleias dos Bispos duma província, para tratar dos problemas das dioceses e preparar o concílio provincial.26 E o novo Código de Direito Canónico, de 1983, contém igualmente ampla regulamentação sobre os concílios particulares, sejam eles plenários ou provinciais.27
4. A par e em consonância com a tradição dos concílios particulares, nasceram em diversos países, a partir do século passado, por razões históricas, culturais, sociológicas e por objectivos pastorais específicos, as Conferências dos Bispos, tendo como finalidade enfrentar as várias questões eclesiais de interesse comum e encontrar as soluções mais oportunas para as mesmas. Ao contrário dos concílios, essas Conferências tiveram um carácter estável e permanente. A Instrução da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, de 24 de Agosto de 1889, faz menção delas designando-as expressamente como "Conferências Episcopais".28
O Concílio Vaticano II, no decreto Christus Dominus, além de fazer votos de que a veneranda instituição dos concílios particulares retome novo vigor (cf. n. 36), trata expressamente também das Conferências dos Bispos, pondo em relevo o fato de estarem já constituídas em muitas nações e estabelecendo normas particulares para o efeito (cf. nn. 37-38). De fato, o Concílio reconheceu a oportunidade e fecundidade de tais organismos, considerando "muito conveniente que, em todo o mundo, os Bispos da mesma nação ou região se reunam periodicamente em assembleia, para que, da comunicação de pareceres e experiências, e da troca de opiniões, resulte uma santa colaboração de esforços para bem comum das Igrejas".29
5. Em 1966, o Papa Paulo VI ordenou, através do "Motu proprio" Ecclesiae Sanctae, a constituição das Conferências Episcopais nos lugares onde não existisse ainda; aquelas que já estavam formadas, deviam redigir estatutos próprios; caso se revelasse impossível tal constituição, os Bispos interessados deviam unir-se a Conferências Episcopais já instituídas; poder-se-iam criar Conferências Episcopais de várias nações ou mesmo internacionais.30 Alguns anos mais tarde, em 1973, o Directório Pastoral dos Bispos voltou a lembrar que "a Conferência Episcopal foi instituída para ser possível oferecer, no tempo presente, uma contribuição variada e fecunda para a concretização do afecto colegial. Por meio das Conferências Episcopais, é fomentado de modo sublime o espírito de comunhão com a Igreja universal e entre as diversas Igrejas particulares".31 Por último, o Código de Direito Canónico, que promulguei em 25 de Janeiro de 1983, estabeleceu uma regulamentação específica (câns. 447-459), pela qual se determinam as finalidades e as competências das Conferências dos Bispos, e ainda a sua erecção, composição e funcionamento.
O espírito colegial, que inspira a constituição das Conferências Episcopais e orienta a sua actividade, induz também à colaboração entre as Conferências das diversas nações, como almejou o Concílio Vaticano II32 e está previsto nas normas canônicas.33
6. A partir do Concílio Vaticano II, desenvolveram-se notavelmente as Conferências Episcopais, ocupando o lugar de órgão preferido dos Bispos duma nação ou de determinado território para o intercâmbio de opiniões, consultarão recíproca e colaboração em favor do bem comum da Igreja: "Elas tornaram-se nestes anos uma realidade concreta, viva e eficaz em todas as partes do mundo".34 A sua importância resulta do fato de contribuírem eficazmente para a unidade entre os Bispos e, consequentemente, para a unidade da Igreja, sendo um instrumento muito válido para robustecer a comunhão eclesial. Todavia a evolução da sua actividade, sempre mais vasta, suscitou alguns problemas de natureza teológica e pastoral, sobretudo no que diz respeito à sua relação com cada um dos Bispos diocesanos.
7. Quando se completavam vinte anos do encerramento do Concílio Vaticano II, a Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, celebrada em 1985, reconheceu a utilidade pastoral, antes a necessidade das Conferências Episcopais na situação actual, mas simultaneamente não deixou de observar que, "no seu modo de proceder, as Conferências Episcopais devem ter presente o bem da Igreja, a saber, o serviço da unidade, e a responsabilidade inalienável de cada Bispo para com a Igreja Universal e a sua Igreja particular".35 Por isso, o Sínodo recomendou que se explicitasse mais ampla e profundamente o estudo do status teológico e, consequentemente, jurídico das Conferências Episcopais, e sobretudo o problema da sua autoridade doutrinal, tendo presente o n. 38 do decreto conciliar Christus Dominus e os câns. 447 e 753 do Código de Direito Canônico.36
Fruto desse estudo, que foi pedido, é também o documento actual. Propõe-se explicitar, com estrita aderência aos documentos do Concílio Vaticano II, os princípios teológicos e jurídicos basilares das Conferências Episcopais e oferecer o enquadramento normativo necessário, para ajudar a estabelecer uma praxis das referidas Conferências que seja teologicamente fundada e juridicamente segura.
Parte II - A união colegial entre os bispos
8. No âmbito da comunhão universal do Povo de Deus, ao serviço da qual o Senhor instituiu o ministério apostólico, a união colegial do Episcopado manifesta a natureza da Igreja, a qual, enquanto semente e início do Reino de Deus na terra, "é para todo o género humano o mais firme germe de unidade, de esperança e de salvação".37 Assim como a Igreja é una e universal, assim também o Episcopado é uno e indiviso,38 sendo tão extenso como a comunidade visível da Igreja e constituindo a expressão da sua rica variedade. Princípio e fundamento visível dessa unidade é o Romano Pontífice, cabeça do corpo episcopal.
A unidade do Episcopado é um dos elementos constitutivos da unidade da Igreja.39 De fato, por meio do corpo dos Bispos, "a tradição apostólica é manifestada e guardada em todo o mundo";40 e a partilha da mesma fé, cujo depósito está confiado à sua guarda, a participação nos Sacramentos, "cuja distribuição regular e frutuosa ordenam com a sua autoridade",41 a adesão e obediência que lhes é devida como Pastores da Igreja, são os elementos essenciais que compõem a comunhão eclesial. Precisamente porque permeia toda a Igreja, esta comunhão estrutura também o Colégio Episcopal e constitui "uma realidade orgânica, que exige uma forma jurídica e é ao mesmo tempo animada pela caridade".42
9. A Ordem dos Bispos é colegialmente, "unida ao Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito de supremo e pleno poder sobre toda a Igreja".43 Como todos sabem, quando o Concílio Vaticano II ensinou esta doutrina, recordou igualmente que o Sucessor de Pedro "conserva integralmente o poder do seu primado sobre todos, quer pastores, quer fiéis. Pois o Romano Pontífice, em virtude do seu cargo de vigário de Cristo e pastor de toda a Igreja, tem nela pleno, supremo e universal poder, que pode sempre exercer livremente".44
O poder supremo que o corpo dos Bispos possui sobre toda a Igreja pode ser exercido por eles apenas colegialmente, quer de modo solene quando reunidos no Concílio Ecuménico, quer espalhados pelo mundo contanto que o Romano Pontífice os chame a um ato colegial ou, pelo menos, aprove ou aceite livremente a sua acção conjunta. Nestas acções colegiais, os Bispos exercem um poder, que lhes é próprio, em benefício dos seus fiéis e da Igreja inteira, e respeitando fielmente o primado e a preeminência do Romano Pontífice, cabeça do Colégio Episcopal, todavia não agem como seus vigários ou delegados.45 Nisto se vê claramente que são Bispos da Igreja Católica, um bem para a Igreja inteira, e como tais hão de ser reconhecidos e respeitados por todos os fiéis.
10. Não existe uma acção colegial igual a nível de cada uma das Igrejas particulares, nem dos seus agrupamentos na pessoa dos respectivos Bispos. A nível duma Igreja particular, o Bispo diocesano apascenta em nome do Senhor o rebanho, que lhe está confiado, como seu pastor próprio, ordinário, imediato, e a sua acção é estritamente pessoal, não colegial, embora animado pelo espírito de comunhão. Além disso, embora investido com a plenitude do sacramento da Ordem, todavia ele não exerce o poder supremo, que pertence ao Romano Pontífice e ao Colégio Episcopal enquanto elementos próprios da Igreja universal, interiores a cada Igreja particular para que esta seja plenamente Igreja, isto é, presença particular da Igreja universal com todos os seus elementos essenciais.46
A nível de agrupamento de Igrejas particulares por zonas geográficas (nação, região, etc.), os Bispos que ao mesmo presidem, ao exercerem conjuntamente o seu serviço pastoral, não o fazem com actos colegiais iguais aos do Colégio Episcopal.
11. Para enquadrar correctamente e entender melhor como se manifesta a união colegial na acção pastoral conjunta dos Bispos duma zona geográfica, vale a pena recordar, embora brevemente, que cada um dos Bispos, no seu serviço pastoral ordinário, está em relação com a Igreja universal. De fato, é preciso ter presente que a participação dos Bispos no Colégio Episcopal se exprime, perante a Igreja inteira, não só através dos referidos actos colegiais, mas também com a solicitude por ela que, embora não seja exercida por um ato de jurisdição, contribui todavia sumamente para o bem da Igreja universal. Na realidade, todos os Bispos devem fomentar e defender a unidade da fé e a disciplina comum à Igreja inteira, e promover todas as actividades que são comuns a toda a Igreja, sobretudo procurando que a fé se difunda, e nasça para todos os homens a luz da verdade plena.47 "Aliás, é certo que, governando bem a própria Igreja, como porção da Igreja universal, concorrem eficazmente para o bem de todo o Corpo místico, que é também o corpo das Igrejas".48
E não é só pelo bom exercício do múnus regendi nas suas Igrejas particulares que os Bispos concorrem para o bem da Igreja universal, mas também com o desempenho das suas funções de ensino e santificação.
Por certo, os Bispos individualmente, enquanto mestres da fé, não se dirigem à comunidade universal dos fiéis senão através dum ato de todo o Colégio Episcopal. De fato, apenas os fiéis confiados ao cuidado pastoral dum Bispo é que devem conformar-se com a decisão dada por ele, em nome de Cristo, em matéria de fé ou costumes, aderindo à mesma com religioso obséquio de espírito. Na realidade, quando os Bispos "ensinam em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica";49 e o seu ensinamento, enquanto transmite fielmente e ilustra a fé que se deve crer e actuar na vida, é de grande utilidade para toda a Igreja.
E cada Bispo, porque "administrador da graça do supremo sacerdócio",50 no exercício da sua função de santificar, contribui grandemente também para a obra eclesial de glorificação de Deus e santificação dos homens. Esta é uma obra de toda a Igreja de Cristo, que actua em todas as legítimas celebrações litúrgicas, realizadas em comunhão e sob a direcção do Bispo.
12. Quando os Bispos de determinado território realizam conjuntamente algumas funções pastorais para utilidade dos seus fiéis, um tal exercício conjunto do ministério episcopal traduz em aplicações concretas o espírito colegial (affectus collegialis),51 que "é a alma da colaboração entre os Bispos, quer no campo regional, quer no campo nacional ou internacional".52 No entanto, isso nunca chega a assumir a natureza colegial característica dos actos da Ordem dos Bispos, enquanto sujeito do poder supremo sobre a Igreja inteira. Efectivamente, a relação de cada um dos Bispos com o Colégio Episcopal é muito diversa da sua relação com os organismos formados para o referido exercício conjunto de algumas funções pastorais.
A colegialidade dos actos do corpo episcopal está ligada ao fato de que "a Igreja universal não pode ser concebida como a soma das Igrejas particulares, nem como uma federação de Igrejas particulares".53 "Ela não é o resultado da sua comunhão, mas, no seu mistério essencial, é uma realidade ontológica e temporalmente prévia a cada um das Igrejas particulares".54 De igual modo, também o Colégio Episcopal não há de ser considerado como a soma dos Bispos postos à frente das Igrejas particulares, nem o resultado da sua comunhão, mas, enquanto elemento essencial da Igreja universal, é uma realidade prévia ao menus de presidência da Igreja particular.55 Com efeito, o poder do Colégio Episcopal sobre toda a Igreja não é constituído pela soma dos poderes que os diversos Bispos detêm sobre as suas Igrejas particulares; aquele é uma realidade anterior da qual participam os Bispos, que não podem agir sobre a Igreja inteira senão colegialmente. Apenas o Romano Pontífice, cabeça do Colégio, pode exercer singularmente o poder supremo sobre a Igreja. Por outras palavras, "a colegialidade episcopal, em sentido próprio ou estrito, pertence apenas ao Colégio Episcopal inteiro, o qual, como sujeito teológico, é indivisível".56 E isto, por expressa vontade do Senhor.57 O poder, porém, não deve ser entendido como domínio; antes, é-lhe essencial a dimensão de serviço, já que deriva de Cristo, o Bom Pastor que oferece a vida pelas ovelhas.58
13. Os agrupamentos de Igrejas particulares têm uma relação com as Igrejas que os formam, pelo fato de aqueles estarem fundados sobre laços de tradições comuns de vida cristã e de enraizamento da Igreja em comunidades humanas, unidas por vínculos de língua, cultura e história. Uma tal relação é muito diversa da relação, feita de interioridade recíproca, da Igreja universal com as Igrejas particulares.
Também entre os organismos formados pelos Bispos dum território (nação, região, etc.) e os Bispos que os constituem há uma relação que, embora apresente uma certa semelhança, na verdade é muito diferente da relação existente entre o Colégio Episcopal e cada um dos Bispos. A eficácia vinculante dos actos do ministério episcopal, exercido conjuntamente no seio das Conferências Episcopais e em comunhão com a Sé Apostólica, deriva do fato de ter sido esta que constituiu tais organismos e lhes confiou, no respeito do poder sagrado de cada um dos Bispos, determinadas competências.
A realização conjunta de algumas acções do ministério episcopal ajuda a concretizar aquela solicitude de cada Bispo pela Igreja inteira que tem uma expressão significativa na ajuda fraterna às outras Igrejas particulares, especialmente às mais vizinhas e mais pobres,59 e que se traduz igualmente na união de esforços e intentos com os outros Bispos da mesma zona geográfica, para promover o bem comum e o de cada uma das Igrejas.60
Parte III - As Conferências Episcopais
14. As Conferências Episcopais constituem uma forma concreta de actuação do espírito colegial. O Código de Direito Canónico apresenta uma precisa descrição das mesmas, inspirando-se nas prescrições do Concílio Vaticano II: "A Conferência Episcopal, instituição permanente, é o agrupamento dos Bispos duma nação ou determinado território, que exercem em conjunto certas funções pastorais a favor dos fiéis do seu território, a fim de promoverem o maior bem que a Igreja oferece aos homens, sobretudo por formas e métodos de apostolado convenientemente ajustados às circunstâncias do tempo e do lugar, nos termos do direito".61
15. A necessidade, nos nossos tempos, de conjugar forças, graças ao intercâmbio de prudência e experiência no seio da Conferência Episcopal, foi posta bem em evidência pelo Concílio ao afirmar que "não é raro verem-se os Bispos impedidos de cumprir, de maneira apta e frutuosa, o seu menus, se não tornam cada vez mais íntima e harmónica a colaboração com os outros Bispos".62 Não é possível compilar um elenco completo dos sectores que requerem tal cooperação, mas é claro para todos que a promoção e salvaguarda da fé e dos costumes, a tradução dos livros litúrgicos, o impulso e formação das vocações sacerdotais, a preparação de material didáctico para a catequese, o fomento e tutela das universidades católicas e outras instituições educativas, o empenho ecuménico, as relações com as autoridades civis, a defesa da vida humana, da paz, dos direitos humanos procurando que sejam tutelados também pela legislação civil, a promoção da justiça social, o uso dos meios de comunicação social, etc., são sectores que actualmente recomendam uma acção conjunta dos Bispos.
16. As Conferências Episcopais, regra geral, são nacionais, isto é, compreendem os Bispos duma única nação,63 porque os laços de cultura, de tradições e história comum, e ainda a rede de relações sociais entre os cidadãos da mesma nação requerem uma colaboração entre os vários membros do Episcopado daquele território muito mais assídua do que a reclamada por circunstâncias eclesiais de qualquer outro género de território. Mas está previsto, na própria legislação canónica, que uma Conferência Episcopal "possa ser ereta para um território de menor ou maior amplitude, de tal modo que apenas compreenda os Bispos de algumas Igrejas particulares constituídas em determinado território ou os Pastores das Igrejas particulares existentes em diversas nações".64 Daqui se deduz que é possível existirem Conferências Episcopais em âmbitos territoriais diversos, ou então de âmbito supranacional. A decisão sobre as circunstâncias relativas às pessoas ou às coisas que sugerem uma amplitude maior ou menor do território de uma Conferência, está reservada à Sé Apostólica. De fato, "compete exclusivamente à autoridade suprema da Igreja, ouvidos os Bispos interessados, erigir, suprimir ou alterar as Conferências Episcopais".65
17. Uma vez que a finalidade das Conferências dos Bispos é prover ao bem comum das Igrejas particulares dum território, através da colaboração dos sagrados Pastores a cujo cuidado elas estão confiadas, cada Conferência deve compreender todos os Bispos diocesanos do território e quantos lhes são equiparados no direito, e bem assim os Bispos coadjutores, os Bispos auxiliares e os outros Bispos titulares que desempenham naquele território um encargo especial recebido da Sé Apostólica ou da própria Conferência Episcopal.66 Nas reuniões plenárias da Conferência Episcopal, têm voto deliberativo os Bispos diocesanos e os equiparados no direito, e ainda os Bispos coadjutores; e isto pelo próprio direito, não sendo possível prever diversamente nos estatutos da Conferência.67 O Presidente e o Vice-Presidente da Conferência Episcopal devem ser escolhidos apenas de entre os membros que são Bispos diocesanos.68 Quanto aos Bispos auxiliares e demais Bispos titulares membros da Conferência Episcopal, será determinado pelos estatutos da Conferência se o seu voto é deliberativo ou consultivo.69 A tal propósito, dever-se-á ter em conta a proporção entre Bispos diocesanos e Bispos auxiliares e demais Bispos titulares, para que uma eventual maioria destes não condicione o governo pastoral dos Bispos diocesanos. Entretanto considera-se oportuno que os estatutos da Conferência Episcopal prevejam a presença, com voto consultivo, dos Bispos eméritos. Tenha-se a peito o cuidado de fazê-los participar em algumas Comissões de estudo, quando se tratam temas em que um Bispo emérito é singularmente competente. Dada a natureza da Conferência Episcopal, um membro não pode delegar a sua participação.
18. Cada Conferência Episcopal tem os seus estatutos próprios, que ela mesma elabora. Todavia, devem obter a revisão (recognitio) da Sé Apostólica; "neles, além do mais, regulem-se as assembleias plenárias da Conferência, e se providencie acerca do Conselho Permanente de Bispos e do Secretariado Geral da Conferência, e bem assim acerca dos outros ofícios e comissões que, a juízo da Conferência, sejam mais eficazmente consentâneos com a finalidade a atingir".70 De qualquer modo, tais finalidades exigem que se evite a burocratização dos ofícios e comissões activas no período entre as reuniões plenárias. Importa ter em conta o fato essencial de as Conferências Episcopais, com as suas comissões e ofícios, existirem para ajudar os Bispos, e não para ocupar o lugar deles.
19. A autoridade da Conferência Episcopal e o seu campo de acção estão em estrita ligação com a autoridade e acção do Bispo diocesano e dos Prelados a ele equiparados. Os Bispos "presidem em lugar de Deus ao rebanho, de que são pastores, como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado, ministros do governo. (...) Por instituição divina, sucedem aos Apóstolos como pastores da Igreja",71 e "governam as Igrejas particulares que lhes foram confiadas como vigários e legados de Cristo, por meio de conselhos, persuasões, exemplos, mas também com autoridade e poder sagrado (...). Este poder que exercem pessoalmente em nome de Cristo, é próprio, ordinário e imediato".72 O seu exercício é regulado pela autoridade suprema da Igreja, sendo isso uma consequência necessária da relação entre a Igreja universal e a Igreja particular, visto que esta só existe como porção do Povo de Deus, na qual opera e está realmente presente a única Igreja católica.73 Com efeito, "o primado do Bispo de Roma e o Colégio Episcopal são elementos próprios da Igreja universal, não deduzíeis da pura análise das Igrejas particulares em si mesmas, mas todavia interiores a cada Igreja particular".74 Sendo passível de regulamentação superior, como referido, o exercício do poder sagrado do Bispo "pode ser circunscrito dentro de certos limites para utilidade da Igreja ou dos fiéis",75 e essa possibilidade está explicitada na norma do Código de Direito Canónico que diz: "Ao Bispo diocesano, na diocese que lhe foi confiada, compete todo o poder ordinário, próprio e imediato que se requer para o exercício do seu menus pastoral, com excepção das causas que, por direito ou por decreto do Sumo Pontífice, estejam reservadas à suprema ou a outra autoridade eclesiástica".76
20. Na Conferência Episcopal, os Bispos exercem conjuntamente o ministério episcopal em benefício dos fiéis do território da Conferência; mas, para que tal exercício seja legítimo e obrigatório para cada um dos Bispos, é necessária a intervenção da autoridade suprema da Igreja, que, através da lei universal ou de mandatos especiais, confia determinadas questões à deliberação da Conferência Episcopal. Os Bispos, tanto singularmente como reunidos em Conferência, não podem autonomamente limitar o seu poder sagrado em favor da Conferência Episcopal, e menos ainda duma parte dela, quer esta seja o Conselho Permanente, uma comissão, ou o próprio Presidente. Esta verdade está patente na norma canónica relativa ao exercício do poder legislativo dos Bispos reunidos em Conferência Episcopal: "A Conferência Episcopal apenas pode fazer decretos gerais nos casos em que o prescrever o direito universal ou quando o estabelecer um mandato peculiar da Sé Apostólica por motu proprio ou a pedido da própria Conferência".77 Caso contrário, "mantém-se íntegra a competência de cada Bispo diocesano, e nem a Conferência nem o seu Presidente podem agir em nome de todos os Bispos, a não ser que todos e cada um hajam dado o consentimento".78
21. O exercício conjunto do ministério episcopal diz respeito também à função doutrinal. O Código de Direito Canónico estabelece, a tal propósito, a seguinte norma fundamental: "Os Bispos, que estão em comunhão com a cabeça do Colégio e seus membros, quer individualmente considerados quer reunidos em Conferências Episcopais ou em concílios particulares, ainda que não gozem da infalibilidade do ensino, são contudo doutores e mestres autênticos da fé dos fiéis confiados aos seus cuidados; os fiéis têm obrigação de aderir com religioso obséquio de espírito ao magistério autêntico dos seus Bispos".79 Além desta norma geral, o Código estabelece, concretamente, algumas competências doutrinais das Conferências dos Bispos, tais como "procurar que se publiquem catecismos para o seu território, com a aprovação prévia da Sé Apostólica",80 e a aprovação das edições dos livros da Sagrada Escritura e das suas versões.81
A voz unânime dos Bispos dum determinado território, quando, em comunhão com o Romano Pontífice, proclamam conjuntamente a verdade católica em matéria de fé e costumes, pode chegar mais eficazmente ao seu povo e tornar mais fácil a adesão dos seus fiéis com religioso obséquio de espírito a tal magistério. No fiel exercício da sua função doutrinal, os Bispos estão ao serviço da palavra de Deus, da qual depende o seu ensino, ouvem-na devotamente, guardam-na santamente e fielmente a expõem de modo que os seus fiéis a recebam do melhor modo possível.82 E dado que a doutrina da fé é um bem comum de toda a Igreja e vínculo da sua comunhão, os Bispos, reunidos na Conferência Episcopal, procuram sobretudo acompanhar o magistério da Igreja universal, fazendo-o oportunamente chegar até ao povo que lhes está confiado.
22. Ao enfrentarem novas questões fazendo com que a mensagem de Cristo ilumine e guie a consciência dos homens para dar solução aos novos problemas resultantes das transformações sociais, os Bispos reunidos na Conferência Episcopal desempenham conjuntamente esta sua função doutrinal, bem conscientes dos limites das suas tomadas de posição, que não possuem as características dum magistério universal, mesmo sendo oficial, autêntico e em comunhão com a Sé Apostólica. Por isso, evitem cuidadosamente de estorvar a acção doutrinal dos Bispos de outros territórios, tendo em conta a ressonância em áreas sempre mais vastas, chegando até a cobrir o mundo inteiro, que os meios de comunicação social conferem aos acontecimentos duma determinada região. Suposto que o magistério autêntico dos Bispos, isto é, o magistério que realizam revestidos da autoridade de Cristo, deve ser feito sempre em comunhão com a Cabeça do Colégio e os seus membros,83 se as declarações doutrinais das Conferências Episcopais são aprovadas por unanimidade, podem, sem dúvida, ser publicadas em nome mesmo da Conferência, e os fiéis são obrigados a aderir com religioso obséquio de espírito àquele magistério autêntico dos seus próprios Bispos. Porém, se faltar tal unanimidade, a maioria apenas dos Bispos duma Conferência não pode publicar uma eventual declaração como magistério autêntico desta, a que todos os fiéis do território devem aderir, a não ser que obtenham a revisão (recognitio) da Sé Apostólica, que não a dará se tal maioria não for qualificada. Esta intervenção da Sé Apostólica é análoga à requerida pelo direito para que a Conferência Episcopal possa emanar decretos gerais.84 A revisão (recognitio) da Santa Sé serve ainda para garantir que, ao enfrentar as novas questões postas pelas rápidas transformações sociais e culturais características da história actual, a resposta doutrinal favoreça a comunhão e não prejudique, antes prepare eventuais intervenções do magistério universal.
23. A própria natureza da função doutrinal dos Bispos requer que, se estes a exercerem conjuntamente reunidos na Conferência Episcopal, tal se verifique na reunião plenária. Organismos de nível inferior - o Conselho Permanente, uma comissão ou outros ofícios - não têm a autoridade para realizar actos de magistério autêntico, nem em nome próprio, nem em nome da Conferência, nem sequer por encargo desta.
24. Actualmente são muitas as tarefas que as Conferências Episcopais realizam para o bem da Igreja. Estão chamadas a favorecer, com um serviço sempre maior, "a responsabilidade inalienável de cada um dos Bispos para com a Igreja universal e a sua Igreja particular",85 e não a dificultá-la, ocupando indevidamente o seu lugar em âmbitos onde a legislação canónica não prevê uma limitação do seu poder episcopal em proveito da Conferência Episcopal, ou então agindo como filtro ou estorvo nas relações directas de cada Bispo com a Sé Apostólica.
Os esclarecimentos expressos até aqui, juntamente com o enquadramento normativo que vem a seguir, correspondem ao voto feito pela Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985, e visam iluminar e tornar mais eficaz ainda a acção das Conferências Episcopais, que hão de oportunamente rever os seus estatutos, conformando-os com estes esclarecimentos e normas, de acordo com os votos formulados.
Parte IV - Normas complementares sobre as Conferências Episcopais
Art. 1º - Para que as declarações doutrinais da Conferência dos Bispos, referidas no nº 22 da presente Carta, constituam magistério autêntico e possam ser publicadas em nome da própria Conferência, é necessário que sejam aprovadas por unanimidade dos membros Bispos, ou então, quando aprovadas na reunião plenária ao menos por dois terços dos Prelados que pertencem à Conferência com voto deliberativo, que obtenham a revisão (recognitio) da Sé Apostólica.
Art. 2º - Nenhum organismo da Conferência Episcopal, à excepção da reunião plenária, tem o poder de realizar actos de magistério autêntico. E a Conferência Episcopal não pode conceder tal poder às comissões ou outros organismos constituídos no seu seio.
Art. 3º - Para outros tipos de intervenção diversos do referido no artigo 2º, a Comissão doutrinal da Conferência dos Bispos deve ser autorizada explicitamente pelo Conselho Permanente da Conferência.
Art. 4º - As Conferências Episcopais devem rever os seus estatutos, conformando-os com os esclarecimentos e as normas do presente documento, para além das do Código de Direito Canónico, e enviá-los depois à Sé Apostólica para a revisão (recognitio), nos termos do cân. 451 do C.I.C.
Na esperança de que a acção das Conferências Episcopais seja cada vez mais rica de bons frutos, concedo cordialmente a minha Bênção.
Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 21 de Maio, Solenidade da Ascensão do Senhor, de 1998, vigésimo ano de Pontificado.
Referências
1 As Igrejas Orientais, patriarcais e arquiepiscopais, são governadas pelos respectivos Sínodos dos Bispos, dotados de poder legislativo, judicial e, em determinados casos, também administrativo (cf. C.C.E.O., câns. 110 e 152). O presente documento não trata deles. Na verdade, não é possível estabelecer analogia, sob este aspecto, entre esses Sínodos dos Bispos e as Conferências dos Bispos. Mas, esta Carta Apostólica já abrange as Assembleias constituídas nas regiões onde existem diversas Igrejas sui iuris e reguladas pelo C.C.E.O., cân. 322, e pelos relativos Estatutos aprovados pela Sé Apostólica (cf. C.C.E.O., cân. 322-§ 4; Const. ap. Pastor Bonus, art. 58-§ 1), na medida em que tais Assembleias se assemelham às Conferências dos Bispos (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, 38).
2 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 19. Cf. Mt 10,1-4; 16,18; Mc 3,13-19; Lc 6,13; Jo 21,15-17.
3 Cf. Mt 26,14; Mc 14,10.20.43; Lc 22,3.47; Jo 6,72; 20,24.
4 Cf. Mt 10,5.7; Lc 9,1-2.
5 Cf. Mc 6,7.
6 Cf. Jo 17,11.18.20-21.
7 Cf. Jo 21,15-17.
8 Cf. Jo 20,21; Mt 28,18-20.
9 At 2,14.
10 Cf. At 2,42.
11 Cf. At 6,1-6.
12 Cf. Gal 2,1-2.7-9.
13 At 15,2.
14 At 15,28.
15 Cf. Mt 28,18-20.
16 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 20.
17 Cf. At 1,8; 2,4; Jo 20,22-23.
18 Cf. 1 Tim 4,14; 2 Tim 1,6-7.
19 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 21.
20 Ibid., 22.
21 Cf. ibid., 23.
22 Ibid., 18. Ver, no mesmo documento conciliar, os nn. 22-23, e a Nota explicativa prévia, art. 2; CONC. ECUM. VAT. I, Const. dogm. Pastor aeternus, prologus: DS 3051.
23 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 23.
24 Sobre alguns concílios do século II, veja-se Eusébio de Cesaréia, História eclesiástica V, 16, 10; 23, 2-4; 24, 8: SC 41, pp. 49, 66-67, 69. Nos princípios do século III, vemos Tertuliano elogiar o costume que os Gregos tinham de celebrar concílios: De Ieiunio 13, 6: CCL 2, 1272. O epistolário de S. Cipriano de Cartago dá-nos notícia de diversos concílios africanos e romanos, a partir do segundo ou terceiro decênio do século III: Epist. 55, 6; 57; 59, 13, 1; 61; 64; 67; 68, 2, 1; 70; 71, 4, 1; 72; 73, 1-3: Bayard (ed.), Les Belles Lettres (Paris 1961) II, pp. 134-135; 154-159; 180; 194-196; 213-216; 227-234; 235; 252-256; 259; 259-262; 262-264. Sobre os concílios dos Bispos nos séculos II e III, veja-se K. J. Hefele, Histoire des Conciles, I (Adrien le Clere, Paris 1869), pp. 77-125.
25 Cf. C.I.C (1917), cân. 283.
26 Cf. ibid., cân. 292.
27 Cf. C.I.C., câns. 439-446.
28 Sacra Congregatio Episcoporum et Regularium, Instr. De collationibus quolibet anno ab Italis Episcopis in variis quae designantur Regionibus habendis (24 de Agosto de 1889): Leonis XIII Acta, IX (1890), 184.
29 Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, 37; cf. Const. dogm. Lumen gentium, 23.
30 Cf. Paulo VI, Motu proprio Ecclesiae Sanctae (6 de Agosto de 1966), I. Normae ad exsequenda Decreta SS. Concilii Vaticani II "Christus Dominus" et "Presbyterorum ordinis", nº 41: AAS 58 (1966), 773-774.
31 Congregação dos Bispos, Directório Ecclesiae imago. De pastorali Ministerio Episcoporum (22 de Fevereiro de 1973), 210.
32 Cf. Decr. Christus Dominus, 38-5.
33 Cf. C.I.C. cân. 459-§ 1. De facto, tal colaboração tem sido promovida através das reuniões internacionais de Conferências Episcopais: Consejo Episcopal Latinoamericano (C.E.L.AM.), Consilium Conferentiarum Episcopalium Europae (C.C.E.E.), Secretariado Episcopal de América Central y Panamá (S.E.D.A.C.), Commissio Episcopatuum Communitatis Europaeae (COM.E.C.E.), Association des Conférences Episcopales de l'Afrique Centrale (A.C.E.A.C.), Association des Conférences Episcopales de la Region de l'Afrique Centrale (A.C.E.R.A.C.), Symposium des Conférences Episcopales d'Africa et de Madagascar (S.C.E.A.M.), Inter-Regional Meeting of Bishops of Southern Africa (I.M.B.S.A.), Southern African Catholic Bishops' Conference (S.A.C.B.C.), Conférences Episcopales de l'Afrique de l'Ouest Francophone" (C.E.R.A.O.), Association of the Episcopal Conferences of Anglophone West Africa (A.E.C.A.W.A.), Association of Member Episcopal Conferences in Eastern Africa (A.M.E.C.E.A.), Federation of Asian Bishpos' Conferences (F.A.B.C.), e Federation of Catholics Bishops' Conferences of Oceania ( F.C.B.C.O.). Ver Anuário Pontifício de 1998 (Vaticano 1998), 1112-1115. No entanto, estas instituições não são Conferências Episcopais propriamente ditas.
34 João Paulo II, Alocução à Cúria Romana (28 de Junho de 1986), 7c: AAS 79 (1987), 197.
35 Relação final, IIC, 5: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22 de Dezembro de 1985), 7.
36 Cf. ibid., IIC, 8-b: o.c., 8.
37 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 9.
38 Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. Pastor aeternus, prologus: DS 3051.
39 Cf. Congregação da Doutrina da Fé, Carta Communionis notio (28 de Maio de 1992), 12.
40 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 20.
41 Ibid., 26.
42 Ibid., Nota explicativa prévia, art. 2.
43 Ibid., 22.
44 Ibid., 22.
45 Cf. ibid., 22; Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II, vol. III, pars VIII, (Typis polyglottis Vaticanis 1976), p. 77, nº 102.
46 Cf. Congregação da Doutrina da Fé, Carta Communionis notio (28 de Maio de 1992), 13.
47 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 23.
48 Ibid., 23.
49 Ibid., 25.
50 Ibid., 26.
51 Cf. ibid., 23.
52 Sínodo extraordinário dos Bispos, Relação final, IIC, 4: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22 Dezembro de 1985), 7.
53 João Paulo II, Discurso aos Bispos dos Estados Unidos da América (16 de Setembro de 1987), 3: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 4 de Outubro de 1987), 11.
54 Congregação da Doutrina da Fé, Carta Communionis notio (28 de Maio de 1992), 9.
55 Para além do mais, como todos sabem, existem muitos Bispos que, apesar de exercerem cargos episcopais propriamente ditos, não estão à frente duma Igreja particular.
56 João Paulo II, Discurso à Cúria Romana (20 de Dezembro de 1990), 6: AAS 83 (1991), 744.
57 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 22.
58 Cf. Jo 10,11.
59 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 23; Decr. Christus Dominus, 6.
60 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, 36.
61 C.I.C., cân. 447; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, 38-1.
62 Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, 37.
63 Cf. C.I.C., cân. 448-§ 1.
64 Ibid., cân. 448-§ 2.
65 Ibid., cân. 449-§ 1.
66 Cf. ibid., cân. 450-§ 1.
67 Cf. ibid., cân. 454-§ 1.
68 Cf. Pontifícia Comissão para a correcta interpretação do Código de Direito Canónico, Responsum ad propositum dubium, Utrum Episcopus Auxiliaris (23 de Maio de 1988): AAS 81 (1989), 388.
69 Cf. C.I.C., cân. 454-§ 2.
70 Ibid., cân. 451.
71 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 20.
72 Ibid., 27.
73 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, 11; C.I.C., cân. 368.
74 Congregação da Doutrina da Fé, Carta Communionis notio (28 de Maio de 1992), 13.
75 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 27.
76 C.I.C., cân. 381-§ 1.
77 C.I.C., cân. 455-§ 1. Com a expressão "decretos gerais", entendem-se também os decretos executivos, de que falam os câns. 31-33 do C.I.C.; Pontifícia Comissão para a correcta interpretação do Código de Direito Canónico, Responsum ad propositum dubium Utrum sub locutione (14 de Maio de 1985): AAS 77 (1985), 771.
78 C.I.C., cân. 455-§ 4.
79 Ibid., cân. 753.
80 Ibid., cân. 775-§ 2.
81 Cf. ibid., cân. 825.
82 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, 10.
83 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 25; C.I.C., cân. 753.
84 Cf. C.I.C., cân. 455.
85 Sínodo extraordinário dos Bispos, Relação final IIC, 5: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22 Dezembro de 1985) 7.
Boni Pastoris
Carta Apostólica Motu Proprio
BONI PASTORIS
do Santo Padre João XXIII sobre a
Pontifícia Comissão de Cinematografia, Rádio e Televisão
O cargo de Bom Pastor de todo o rebanho de Deus - que, desde o princípio do Nosso Pontificado afirmamos "ter a peito de modo especialíssimo" (cfr. A. A. S., vol. L, p. 886) - ao mesmo tempo que solicita constantemente a Nossa atenção para todas as necessidades da Igreja, move-Nos também a considerar com particular interesse todos os inventos da civilização moderna que não pouco influem na vida espiritual do homem, entre os quais se devem contar a rádio, a televisão e o cinema.
Já o Nosso Predecessor Pio XII, de imortal memória, em importante Carta Encíclica e Discursos, recordou repetidamente aos fiéis e a todos os homens de bem o grave dever, que os obriga a utilizar estas admiráveis técnicas de difusão dum modo conforme ao plano providencial de Deus e à dignidade do homem, a cujo aperfeiçoamento devem servir.
Com este fim, o mesmo Predecessor Nosso quis "instituir nesta Cúria Romana uma Comissão própria" (A. A. S., vol. LXIX, p. 768), à qual confiou a execução fiel das medidas e disposições, contidas na Carta Encíclica Miranda prorsus, acerca das questões referentes à fé, à moral e à disciplina eclesiástica, no sector da rádio, da televisão e do cinema (ibidem, p. 805).
Impressionado pelos graves problemas que - no campo da moralidade pública, propagação das ideias e educação da juventude - são propostos pelas mencionadas técnicas, que difundem palavras e imagens e tanto influxo exercem nas almas, desejamos fazer Nossas e confirmar as exortações e disposições do mesmo Antecessor Nosso e contribuir, quanto podemos, para transformar em positivos instrumentos do bem aqueles meios que a divina Bondade pôs à disposição dos homens. De facto, são bem conhecidas as grandes possibilidades que, tanto o cinema coma a rádio e a televisão, oferecem para difundir-se uma cultura mais alta, uma arte digna deste nome e sobretudo o conhecimento da verdade.
Sendo Patriarca de Veneza, recebemos por vezes junto de Nós e exortámos paternalmente reprentantes da arte e da indústria cinematográfica; e depois da elevação, por oculto desígnio da Divina Providência, ao Sumo Pontificado, quisemos exprimir a Nossa benevolência aos responsáveis da rádio, da televisão e do cinema (cfr. Carta n. 117 da Secretaria de Estado, de 4 de Novembro de 1958, ao Presidente da Pontifícia Comissão de Cinematografia, Rádio e Televisão), não deixando depois de aproveitar todas as oportunidades para os animar a serem fiéis ao ideal cristão do próprio ofício.
Temos todavia que deplorar com amargura os perigos e danos morais, que não raro provocam os espectáculos cinematográficos e as transmissões radiofónicas e televisivas, lesando a moral cristã e até a própria dignidade humana.
Dirigimos portanto de novo a cada um dos responsáveis de tais produções ou transmissões a Nossa paternal e insistente admoestação, para que sigam sempre os ditames duma recta e delicada consciência, como convém aos que se encontram investidos da gravíssima missão de educar.
Ao mesmo tempo confiamos novamente à vigilância e experimentada solicitude dos Nossos Veneráveis Irmãos, Arcebispos e Bispos, as várias formas de apostolado recomendadas na já mencionada Encíclica Miranda prorsus e, em particular, os Organismos nacionais, constituídos em cada país, para dirigir e coordenar todas as actividades católicas no campo do cinema, da rádio e da televisão (cfr. A. A. S., vol. XLIX, p. 783-4). Entre estas actividades, recomendamos as iniciativas de carácter formativo e cultural, come a apresentação e discussão de filmes, que tenham especiais méritos artísticos e morais.
Além disso, como a natureza dos mencionados meios de difusão exige unidade de direcção e acção, mesmo no que respeita ao direito e autoridade da Sé Apostólica, Nós o "motu proprio", com certa ciência e depois de madura deliberação, com a plenitude da Autoridade Apostólica, estabelecemos de modo perpétuo, em virtude desta Carta, as seguintes normas para o funcionamento da supramencionada Pontifícia Comissão de Cinematografia, Rádio e Televisão, e isto derrogando as normas contidas no actual Estatuto da mesma Comissão (cfr. A. A. S., vol. XLVI, p. 783-4).
Dispomos portanto que a Pontifícia Comissão de Cinematografia, Rádio e Televisão tenha carácter permanente, como organismo da Santa Sé para exame, incremento, assistência e direcção das várias actividades no campo do cinema, da rádio e da televisão, em conformidade com as normas directivas dadas pela Carta Encíclica Miranda prorsus e por futuras disposições da Santa Sé.
A dita Pontifícia Comissão competirá: informar-se das tendências e das realizações práticas quanto à produção de filmes, e transmissões radiofónicas e televisivas; dirigir e incrementar a actividade das Associações católicas internacionais e dos Organismos eclesiásticos nacionais de cinema, rádio e televisão, particularmente no que se refere à classificação moral dos filmes, às transmissões radiofónicas e televisivas de carácter religioso, e à instrução dos fiéis, especialmente da juventude, acerca dos deveres cristãos no referente a espectáculos (cfr. A. A. S., vol. XLIX, p. 780 ss.); e, finalmente, manter relações com as Sagradas Congregações e Organismos da Santa Sé, com as Conferências Episcopais e com cada um dos Ordinários, em tudo o que se refere a estes problemas complexos e difíceis.
Por outro lado, as Sagradas Congregações da Cúria Romana e os outros Organismos da Santa Sé, pedirão o parecer da Comissão antes de publicar disposições ou conceder licenças no campo do cinema, rádio e televisão, e hão-de informar a mesma Comissão das medidas tomadas no âmbito da própria competência.
A frente da Pontifícia Comissão de Cinematografia, Rádio e Televisão estará um Presidente, que todos os semestres apresentará um relatório da actividade da mesma Comissão.
Serão membros da Comissão: os Assessores e Secretários das Sagradas Congregações do Santo Ofício, Consistorial, da Igreja Oriental, do Concílio, dos Religiosos, de Propaganda Fide, e dos Seminários e Universidades, e o Substituto da Nossa Secretaria de Estado. Outros membros poderão ser nomeados a Nosso beneplácito.
O Presidente é coadjuvado no seu trabalho pelo Secretário da Comissão e por outros Oficiais (cfr. A. A. S., vol. XLIII, app. fasc. 8, p. [3]).
A Comissão é assistida por um colégio de Consultores, escolhidos pela Santa Sé, especialmente competentes no campo do apostolado por meio do cinema, rádio e televisão.
A Comissão cuidará da Filmoteca Vaticana, que projectamos constituir, para recolher documentários cinematográficos de interesse para a Santa Sé.
A Comissão terá a sua sede na Cidade do Vaticano e estará agregada à Nossa Secretaria de Estado.
Não obstante qualquer coisa em contrário, apraz-Nos abençoar com toda a alma a actividade da Pontifícia Comissão da Cinematografia, Rádio e Televisão, cujo trabalho frutuoso tanto apreciámos já no passado.
Isto declaramos e estabelecemos, decretando que a presente Carta seja sempre e permaneça firme, válida e eficaz; tenha sempre pleno efeito, e que agora e no futuro sirva plenamente a todos a quem isto interesse ou possa vir a interessar; que assim se deve legitimamente julgar e definir; e que a partir deste momento, deve considerar-se nulo e inválido tudo quanto, cientemente ou por ignorância, por qualquer pessoa e em virtude de qualquer autoridade, fosse tentado em contrário.
- Dado em Roma, em S. Pedro, sob o anel do Pescador, aos 22 de Fevereiro de 959, primeiro do Nosso Pontificado.
João PP. XXIII
Celebração do Mistério Pascal
Carta Apostólica
Celebração do Mistério Pascal dada por Motu Proprio
aprovando as normas universais do Ano Litúrgico
e o novo Calendário Romano Geral
PAULO VI, BISPO
A celebração do mistério pascal, conforme nos ensinou claramente o sacrossanto Concílio Vaticano II, constitui o cerne do culto religioso do cristão no seu desenvolvimento quotidiano, semanal e anual. Por isso, era necessário que a restauração do ano litúrgico, cujas normas foram dadas pelo Santo Sínodo(1), colocasse numa luz mais clara o mistério pascal de Cristo, tanto na organização do Próprio do Tempo e dos Santos, como na revisão do Calendário Romano.
I
Na verdade, no decorrer dos séculos, a multiplicação das festas, das vigílias e das oitavas, bem como a complexidade crescente das várias partes do ano litúrgico, encaminharam os fiéis às devoções particulares, desviando-os um pouco dos mistérios fundamentais da nossa Redenção.
Ninguém ignora que os nossos predecessores São Pio X e João XXIII, de venerável memória, deram normas para que os domingos, restaurados em sua dignidade primitiva, fossem verdadeira e propriamente tidos por todos como o "dia de festa primordial"(2) e para que restaurasse a celebração litúrgica da Sagrada Quaresma. E sobretudo o nosso predecessor Pio XII, de venerável memória, ordenou(3) que na Igreja Ocidental, durante a Noite da Páscoa, fosse restaurada a solene vigília pascal para que o Povo de Deus, celebrando então os Sacramentos de iniciação cristã, renovasse a aliança espiritual com o Cristo Senhor ressuscitado.
Estes Sumos Pontífices, seguindo o ensinamento dos Santos Padres e a doutrina firmemente transmitida pela Igreja Católica, julgaram com razão que no curso anual da liturgia não se recordam apenas as acções pelas quais Jesus Cristo por sua morte nos trouxe a salvação, nem se renova somente a lembrança de acções passadas, para instruir e nutrir a meditação dos fiéis, mesmo os mais simples; ensinavam também que a celebração do ano litúrgico "goza de força sacramental e especial eficácia para alimentar a vida cristã"(4). Nós também pensamos e afirmamos o mesmo.
Portanto, é com razão que, ao celebrar o "sacramento do Natal do Cristo"(5) e sua manifestação ao mundo, pedimos que, "reconhecendo sua humanidade semelhante à nossa, sejamos interiormente transformados por Ele"(6) e, ao renovarmos a Páscoa do Senhor, suplicamos ao sumo Deus pelos que renasceram com Cristo "para que sejam fiéis por toda a vida ao sacramento do Baptismo, que receberam professando a fé"(7). Pois, para usarmos as palavras do Concílio Ecuménico Vaticano II, "celebrando os mistérios da Redenção, a Igreja abre aos fiéis as riquezas do poder e dos méritos de seu Senhor; de tal modo que os fiéis entram em contacto com estes mistérios, tornados de certa forma presentes em todo o tempo e lugar, e se tornam repletos da graça da salvação"(8).
Por isso, a revisão do ano litúrgico e as normas que decorrem de sua reforma não têm outro objectivo senão levar os fiéis a participarem mais ardentemente pela fé, pela esperança e pela caridade, de "todo o mistério de Cristo, desenvolvido no decurso de um ano".
II
Cremos que as festas da Virgem Maria, "unida por laço indissolúvel à obra de seu Filho"(10), bem como as memórias dos Santos, entre as quais brilham com particular fulgor os aniversários de "nossos senhores mártires e vencedores"(11), não se opõem de modo algum à celebração do mistério de Cristo. Na verdade, "as festas dos Santos proclamam as maravilhas do Cristo nos seus servos e oferecem aos fiéis oportunos exemplos a serem imitados"(12). A Igreja Católica sempre afirmou que nas festas dos Santos se anuncia e renova o mistério pascal do Cristo(13).
Entretanto, não se pode negar que no correr dos séculos surgiram mais festas de Santos do que seria conveniente. Por isso, o Santo Sínodo ordenou: "Que as festas de Santos não prevaleçam sobre as que recordam os mistérios da salvação. Muitas destas festas sejam deixadas à celebração de cada Igreja local, nação ou família religiosa, estendendo-se somente à Igreja universal as festas que comemoram Santos de importância verdadeiramente universal"(14).
Pondo em prática esta decisão do Concílio Ecuménico, os nomes de alguns Santos foram retirados do Calendário Geral e permitiu-se que a memória de outros fosse celebrada facultativamente e se lhes prestasse o devido culto somente nas regiões em que viveram. A supressão dos nomes de alguns santos universalmente conhecidos permitiu introduzir-se no Calendário Romano o nome de alguns Mártires daquelas regiões onde o anúncio do Evangelho chegou mais tarde. Assim, no mesmo catálogo, gozam de igual dignidade representantes de todos os povos, ilustres por terem derramado o sangue pelo Cristo ou praticado as mais altas virtudes.
Por estes motivos, julgamos o novo Calendário Geral, preparado para o uso do rito latino, mais adaptado à mentalidade e à sensibilidade religiosa do nosso tempo, e mais condizente com o espírito universal da Igreja. Com efeito, ele propõe a todo o Povo de Deus os Santos mais importantes como notáveis exemplos de santidade vivida de vários modos. Não é necessário dizer o quanto isto contribuirá para o bem espiritual de todo o povo cristão.
Tendo atentamente considerado diante de Deus todos estes motivos, aprovamos com a nossa autoridade apostólica o novo Calendário Romano Geral, composto pelo Conselho encarregado de executar a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, como aprovamos também as normas universais relativas à disposição do ano litúrgico. Determinamos que entrem em vigor a partir do dia 1º de Janeiro do próximo ano, 1970, conforme os decretos a serem publicados conjuntamente pela Sagrada Congregação dos Ritos e pelo referido Conselho, válidos até a edição do Missal e do Breviário restaurados.
Tudo o que estabelecemos nesta nossa carta, escrita motu proprio, seja confirmado e executado não obstante as disposições em contrário constantes das Constituições e Ordenações Apostólicas de nossos antecessores, como também de outras prescrições, mesmo dignas de menção e derrogação.
- Dado em Roma, junto de São Pedro, dia 14 de Fevereiro de 1969, sexto ano do nosso pontificado.
Paulo VI, papa
Referências
(1) Cf. Conc. Vaticano II, Const. sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, nnº 102-111, AAS 56 (1964), pp. 125-128.
(2) Cf. Conc. Vaticano II, Const. sobre a Sagrada Liturgia, SC, nº 106, AAS 56 (1964), p. 126.
(3) Cf. Sagrada Congregação dos Ritos, Decr. "Dominicae Ressurrectionis", de 09.02.1951, AAS 43 (1951), pp. 128-129.
(4) Cf. Sagrada Congregação dos Ritos, Decr. geral "Maxima Redemptionis Nostrae Mysteria", de 16.11.1955, AAS 47 (1955), p. 839.
(5) São Leão Magno, Sermão XXVII do Natal do Senhor 7,1, PL 54,216.
(6) Cf. Missal Romano, Colecta da Festa do Baptismo do Senhor.
(7) Cf. Missal Romano, Colecta da 3ª-Feira da Oitava de Páscoa.
(8) Conc. Vaticano II, Const. sobre a Sagrada Liturgia, SC, nº 102, AAS 56 (1964), p.125.
(9) Cf. ibid.
(10) Ibid., nº 103.
Ecclesia Dei
CARTA APOSTÓLICA
ECCLESIA DEI
DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II
SOB A FORMA DE "MOTU PROPRIO"
SOBRE A ILEGÍTIMA ORDENAÇÃO EPISCOPAL
CONFERIDA PELO ARCEBISPO MARCEL LEFREBVRE
1. Com grande aflição a Igreja tomou conhecimento da ilegítima ordenação episcopal conferida, a 30 de Junho, pelo Arcebispo Marcel Lefebvre que tornou vãos todos os esforços, feitos desde há anos, a fim de assegurar a plena comunhão com a Igreja à Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, fundada pelo mesmo Mons. Lefebvre. De nada, com efeito, serviram tais esforços, especialmente intensos nos últimos meses, em que a Sé Apostólica usou de compreensão até ao limite do possível(1).
2. Esta aflição é sentida de modo particular pelo Sucessor de Pedro, o primeiro a quem compete a tutela da unidade da Igreja(2), embora o número das pessoas directamente envolvidas nestes eventos tenha sido pequeno, porque toda a pessoa é amada por Deus por si mesma e foi resgatada pelo sangue de Cristo, derramado na Cruz pela salvação de todos.
As circunstâncias particulares, tanto objectivas quanto subjectivas, nas quais o acto do Arcebispo Lefebvre, foi realizado, oferecem a todos a ocasião para uma profunda reflexão e para um renovado empenho de fidelidade a Cristo e à Sua Igreja.
3. Em si mesmo, tal acto foi uma desobediência ao Romano Pontífice em matéria gravíssima e de importância capital para a unidade da Igreja, como é a ordenação dos bispos, mediante a qual é mantida sacramentalmente a sucessão apostólica. Por isso, tal desobediência - que traz consigo uma rejeição prática do Primado romano - constitui um acto cismático (3). Ao realizar tal acto, não obstante a advertência formal que Ihes foi enviada pelo Prefeito da Congregação para os Bispos no passado dia 17 de Junho, Mons. Lefebvre e os sacerdotes Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta, incorreram na grave pena da excomunhão prevista pela disciplina eclesiástica(4).
4. A raiz deste acto cismático pode localizar-se numa incompleta e contraditória noção de Tradição. Incompleta, porque não tem em suficiente consideração o carácter vivo da Tradição, "que - como é claramente ensinado pelo Concílio Vaticano II - sendo transmitida pelos Apóstolos ... progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer mercê da contemplação e estudo dos crentes, que as meditam no seu coração, quer mercê da intima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade"(5).
Mas é sobretudo contraditória uma noção de Tradição que se opoem ao Magistério universal da Igreja, do qual é detentor o Bispo de Roma e o Colégio dos Bispos. Não se pode permanecer fiel à Tradição rompendo o vinculo eclesial com aquele a quem o próprio Cristo, na pessoa do Apostolo Pedro, confiou o ministério da unidade na sua Igreja(6).
5. Ante a situação criada, sinto o dever de tornar todos os fiéis católicos, cônscios de alguns aspectos, que esta triste circunstância põe em evidência.
O êxito a que chegou o movimento promovido por Mons. Lefebvre, pode e deve ser motivo, para todos os fiéis católicos, de uma sincera reflexão sobre a própria fidelidade à Tradição da Igreja, autenticamente interpretada pelo Magistério eclesiástico, ordinário o extraordinário, de modo especial nos Consílios Ecuménicos desde o de Niceia ao Vaticano II. Desta reflexão, todos devem aurir uma renovada e efectiva convicção da necessidade de ainda melhorar e aumentar essa fidelidade, refutando interpretações erróneas e aplicações abusivas, em matéria doutrinal, litúrgica e disciplinar.
Sobretudo aos Bispos compete, pela missão pastoral, que lhes é própria, o grave dever de exercer uma vigilância perspicaz, cheia de caridade e fortaleza; a fim de que essa fidelidade seja salvaguardada em toda a parte(7).
Todavia, é preciso que todos os Pastores e os demais fiéis tomem nova consciência, não só da legitimidade mas também da riqueza que representa para a Igreja a diversidade de carismas e de tradições de espiritualidade e de apostolado, o que constitui a beleza da unidade na variedade: daquela "sintonia" que, sob o impulso do Espírito Santo, a Igreja terrestre eleva ao céu.
Quereria, alem disso, chamar a atenção dos teólogos e dos outros peritos nas ciências eclesiásticas, para que também eles se sintam interpelados pelas circunstâncias presentes. Com efeito, a amplitude e a profundidade dos ensinamentos do Concilio Vaticano II requerem um renovado empenho de aprofundamento, no qual se ponha em relevo a continuidade do Concilio com a Tradição, do modo especial nos pontos de doutrina que, talvez pela sua novidade, ainda não foram bem compreendidos por alguns sectores da Igreja.
Nas presentes circunstâncias, desejo sobretudo dirigir um apelo, ao mesmo tempo solene e comovido, paterno e fraterno, a todos aqueles que até agora, de diversos modos, estiveram ligados ao movimento do Arcebispo Lefebvre, a fim de que cumpram o grave dever de permanecerem unidos ao Vigário de Cristo na unidade da Igreja Católica, e de não continuarem a apoiar de modo algum esse movimento. Ninguém deve ignorar que a adesão formal ao cisma constitui grave ofensa a Deus e comporta a excomunhão estabecida pelo Direito da Igreja(8).
A todos estes fiéis católicos, que se sentem vinculados a algumas precedentes formas litúrgicas e disciplinares da tradição latina, desejo manifestar também a minha vontade - a qual peço que se associem a dos Bispos a de todos aqueles que desempenham na Igreja o ministério pastoral - de lhes facilitar a comunhão eclesial, mediante as medidas necessárias para garantir o respeito das suas justas aspirações.
6. Tendo em consideração a importância e a complexidade dos problemas mencionados neste documento, em virtude da minha Autoridade Apostólica, estabeleço quanto segue:
é instituída uma Comissão, com a tarefa de colaborar com os Bispos, com os Dicasterios da Curia Romana e com os ambientes interessados, a fim de facilitar a plena comunhão eclesial dos sacerdotes, dos seminaristas, das comunidades ou de cada religioso ou religiosa até agora ligados de diversos modos à Fraternidade fundada por Mons Lefebvre, que desejem permanecer unidos ao Sucessor de Pedro na Igreja Católica, conservando as suas tradições espirituais e litúrgicas, de acordo com o Protocolo assinado, a 5 de Maio passado pelo Cardeal Ratzinger e por Mons. Lefebvre;
esta Comissão é composta por um Cardeal Presidente e por outros membros da Cúria Romana, em número que se julgar oportuno segundo as circunstâncias;
além disso, em toda a parte deverá ser respeitado o espírito de todos aqueles que se sentem ligados à tradição litúrgica latina, mediante uma ampla e generosa aplicação das directrizes, já há tempos emanadas pela Sé Apostólica, para o uso do Missal Romano segundo a edição típica de 1962(9).
7. Ao aproximar-se já o final deste ano dedicado à Santíssima Virgem, desejo exortar todos a unirem-se à oração incessante que o Vigário de Cristo, pela intercessão da Mãe da Igreja, dirige ao Pai com as mesmas palavras do Filho: Ut omnes unum sint! (Que todos sejam um!)
- Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 2 do mês de Julho do ano 1988, décimo de Pontificado.
Joannes Paulus PP. II
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(1)Cf. Nota informativa, 16.6.88; "L'Oss. Rom." quot. 17.6.88, pp. 1-2.
(2)Cf. Conc. Ec. Vat. I, Cost. Pastor aeternus, cap. 3; DS 3060.
(3)Cf. C.I.C., cân. 751.
(4)Cf. Ibid., cân. 1382.
(5)Conc. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, n. 8. Cf. Conc. Ec. Vat. I, Const. Dei Filius, cap. 4: DS 3020.
(6)Cf. Mt 16, 18; Lc 10, 16; Conc. Ec. Vat. I, Const. Pastor æternus, cap. 3: DS 3060.
(7) Cf. C.I.C., cân. 386; PAULO VI, Exort. Apost. Quinque iam anni, (8.12.1970): AAS 63, (1971), pp. 97-106.
(8)Cf. C.I.C., cân. 1364.
(9)Cf. Congregação para o Culto Divino, Carta Quattuor abhinc annos (3.10.1984): AAS 76 (1984), pp. 1088-1089.
Proclamação de Tomás Moro, Patrono dos Governantes e dos Políticos
CARTA APOSTÓLICA
SOB FORMA DE MOTU PROPRIO
PARA A PROCLAMAÇÃO DE S. TOMÁS MORO
PATRONO DOS GOVERNANTES E DOS POLÍTICOS
JOÃO PAULO PP. II
PARA PERPÉTUA MEMÓRIA.
1. Da vida e martírio de S. Tomás Moro emana uma mensagem que atravessa os séculos e fala aos homens de todos os tempos da dignidade inalienável da consciência, na qual, como recorda o Concílio Vaticano II, reside «o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser» (Gaudium et spes, 16). Quando o homem e a mulher prestam ouvidos ao apelo da verdade, a consciência guia, com segurança, os seus actos para o bem. Precisamente por causa do testemunho que S. Tomás Moro deu, até ao derramamento do sangue, do primado da verdade sobre o poder, é que ele é venerado como exemplo imperecível de coerência moral. Mesmo fora da Igreja, sobretudo entre os que são chamados a guiar os destinos dos povos, a sua figura é vista como fonte de inspiração para uma política que visa como seu fim supremo o serviço da pessoa humana.
Recentemente, alguns Chefes de Estado e de Governo, numerosos dirigentes políticos, várias Conferências Episcopais e Bispos individualmente dirigiram-me petições a favor da proclamação de S. Tomás Moro como Patrono dos Governantes e dos Políticos. A instância goza da assinatura de personalidades de variada proveniência política, cultural e religiosa, facto esse que testemunha o vivo e generalizado interesse pelo pensamento e comportamento deste insigne Homem de governo.
2. Tomás Moro viveu uma carreira política extraordinária no seu País. Tendo nascido em Londres no ano 1478 de uma respeitável família, foi colocado, desde jovem, ao serviço do Arcebispo de Cantuária, João Morton, Chanceler do Reino. Continuou depois, em Oxford e Londres, os seus estudos de Direito, mas interessando-se também pelos vastos horizontes da cultura, da teologia e da literatura clássica. Dominava perfeitamente o grego e criou relações de intercâmbio e amizade com notáveis protagonistas da cultura do Renascimento, como Erasmo de Roterdão.
A sua sensibilidade religiosa levou-o a procurar a virtude através duma assídua prática ascética: cultivou relações de amizade com os franciscanos conventuais de Greenwich e demorou-se algum tempo na cartuxa de Londres, que são dois dos focos principais de fervor religioso do Reino. Sentindo a vocação para o matrimónio, a vida familiar e o empenho laical, casou-se em 1505 com Joana Colt, da qual teve quatro filhos. Tendo esta falecido em 1511, Tomás desposou em segundas núpcias Alice Middleton, já viúva com uma filha. Ao longo de toda a sua vida, foi um marido e pai afectuoso e fiel, cooperando intimamente na educação religiosa, moral e intelectual dos filhos. A sua casa acolhia genros, noras e netos, e permanecia aberta a muitos jovens amigos que andavam à procura da verdade ou da própria vocação. Além disso, na vida de família dava-se largo espaço à oração comum e à lectio divina, e também a sadias formas de recreação doméstica. Diariamente, Tomás participava na Missa na igreja paroquial, mas as austeras penitências que abraçava eram conhecidas apenas dos seus familiares mais íntimos.
3. Em 1504, no reinado de Henrique VIII, foi eleito pela primeira vez para o Parlamento. O rei renovou-lhe o mandato em 1510 e constituiu-o ainda como representante da Coroa na Capital, abrindo-lhe uma carreira brilhante na Administração Pública. No decénio sucessivo, Henrique VIII várias vezes o enviou em missões diplomáticas e comerciais à Flandres e territórios da França actual. Constituído membro do Conselho da Coroa, juiz presidente dum tribunal importante, vice-tesoureiro e cavaleiro, tornou-se em 1523 porta-voz, ou seja presidente, da Câmara dos Comuns.
Estimado por todos pela sua integridade moral indefectível, argúcia de pensamento, carácter aberto e divertido, erudição extraordinária, foi nomeado pelo rei em 1529, num momento de crise política e económica do País, Chanceler do Reino. Tomás Moro, o primeiro leigo a ocupar este cargo, enfrentou um período extremamente difícil, procurando servir o rei e o País. Fiel aos seus princípios, empenhou-se por promover a justiça e conter a danosa influência de quem buscava os próprios interesses à custa dos mais débeis. Em 1532, não querendo dar o próprio apoio ao plano de Henrique VIII que desejava assumir o controle da Igreja na Inglaterra, pediu a própria demissão. Retirou-se da vida pública, resignando-se a sofrer, com a sua família, a pobreza e o abandono de muitos que, na prova, se revelaram falsos amigos.
Constatando a firmeza irremovível com que ele recusava qualquer compromisso contra a própria consciência, o rei mandou prendê-lo, em 1534, na Torre de Londres, onde foi sujeito a várias formas de pressão psicológica. Mas Tomás Moro não se deixou vencer, recusando prestar o juramento que lhe fora pedido, porque comportaria a aceitação dum sistema político e eclesiástico que preparava o terreno para um despotismo incontrolável. Ao longo do processo que lhe moveram, pronunciou uma ardente apologia das suas convicções sobre a indissolubilidade do matrimónio, o respeito pelo património jurídico inspirado aos valores cristãos, a liberdade da Igreja face ao Estado. Condenado pelo Tribunal, foi decapitado.
Com o passar dos séculos, atenuou-se a discriminação contra a Igreja. Em 1850, foi reconstituída a hierarquia católica na Inglaterra. Deste modo, tornou-se possível abrir as causas de canonização de numerosos mártires. Juntamente com outros 53 mártires, entre os quais o Bispo João Fisher, Tomas Moro foi beatificado pelo Papa Leão XIII em 1886 e canonizado, com o citado Bispo, por Pio XI no ano 1935, quando se completava o quarto centenário do seu martírio.
4. Muitas são as razões em favor da proclamação de S. Tomás Moro como Patrono dos Governantes e dos Políticos. Entre elas, conta-se a necessidade que o mundo político e administrativo sente de modelos credíveis, que lhes mostrem o caminho da verdade num momento histórico em que se multiplicam árduos desafios e graves responsabilidades. Com efeito, existem, hoje, fenómenos económicos intensamente inovadores que estão a modificar as estruturas sociais; além disso, as conquistas científicas no âmbito das biotecnologias tornam mais aguda a exigência de defender a vida humana em todas as suas expressões, enquanto as promessas duma nova sociedade, propostas com sucesso a uma opinião pública distraída, requerem com urgência decisões políticas claras a favor da família, dos jovens, dos anciãos e dos marginalizados.
Em tal contexto, muito pode ajudar o exemplo de S. Tomás Moro que se distinguiu pela sua constante fidelidade à Autoridade e às instituições legítimas, porque pretendia servir nelas, não o poder, mas o ideal supremo da justiça. A sua vida ensina-nos que o governo é, primariamente, um exercício de virtude. Forte e seguro nesta estrutura moral, o Estadista inglês pôs a sua actividade pública ao serviço da pessoa, sobretudo dos débeis ou pobres; regulou as controvérsias sociais com fino sentido de equidade; tutelou a família e defendeu-a com valoroso empenho; promoveu a educação integral da juventude. O seu profundo desdém pelas honras e riquezas, a humildade serena e jovial, o sensato conhecimento da natureza humana e da futilidade do sucesso, a segurança de juízo radicada na fé conferiram-lhe aquela confiança e fortaleza interior que o sustentou nas adversidades e frente à morte. A sua santidade refulgiu no martírio, mas foi preparada por uma vida inteira de trabalho, ao serviço de Deus e do próximo.
Aludindo a tais exemplos de perfeita harmonia entre fé e obras, escrevi, na Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici, que «a unidade de vida dos fiéis leigos é de enorme importância, pois eles têm que se santificar na vida profissional e social normal. Assim, para que possam corresponder à sua vocação, os fiéis leigos devem olhar para as actividades da vida quotidiana como uma ocasião de união com Deus e de cumprimento da sua vontade, e também como serviço aos outros homens» (n.º 17).
Esta harmonia do natural com o sobrenatural é talvez o elemento que melhor define a personalidade do grande Estadista inglês: viveu a sua intensa vida pública com humildade simples, caracterizada pelo proverbial «bom humor» que sempre manteve, mesmo na iminência da morte.
Esta foi a meta a que o levou a sua paixão pela verdade. O homem não pode separar-se de Deus, nem a política da moral: eis a luz que iluminou a sua consciência. Como disse uma vez, «o homem é criatura de Deus, e por isso os direitos humanos têm a sua origem n'Ele, baseiam-se no desígnio da criação e entram no plano da Redenção. Poder-se-ia dizer, com uma expressão audaz, que os direitos do homem são também direitos de Deus» (Discurso, 07/04/1998).
É precisamente na defesa dos direitos da consciência que brilha com luz mais intensa o exemplo de Tomás Moro. Pode-se dizer que viveu de modo singular o valor de uma consciência moral que é «testemunho do próprio Deus, cuja voz e juízo penetram no íntimo do homem até às raízes da sua alma» (Carta enc. Veritatis splendor, 58), embora, no âmbito da acção contra os hereges, tenha sofrido dos limites da cultura de então.
O Concílio Ecuménico Vaticano II, na Constituição Gaudium et spes, observa que tem crescido, no mundo contemporâneo, «a consciência da eminente dignidade da pessoa humana, por ser superior a todas as coisas e os seus direitos e deveres serem universais e invioláveis» (n.º 26). A vida de S. Tomás Moro ilustra, com clareza, uma verdade fundamental da ética política. De facto, a defesa da liberdade da Igreja face a indevidas ingerências do Estado é simultaneamente uma defesa, em nome do primado da consciência, da liberdade da pessoa frente ao poder político. Está aqui o princípio basilar de qualquer ordem civil respeitadora da natureza do homem.
5. Espero, portanto, que a elevação da exímia figura de S. Tomás Moro a Patrono dos Governantes e dos Políticos possa contribuir para o bem da sociedade. Trata-se, aliás, de uma iniciativa em plena sintonia com o espírito do Grande Jubileu, que nos introduz no terceiro milénio cristão.
Assim, depois de maturada reflexão e acolhendo de bom grado os pedidos que me foram feitos, constituo e declaro S. Tomás Moro Patrono celeste dos Governantes e dos Políticos, concedendo que lhe sejam tributadas todas as honras e privilégios litúrgicos que competem, segundo o direito, aos Patronos de categorias de pessoas.
Bendito e glorificado seja Jesus Cristo, Redentor do homem, ontem, hoje e sempre.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 31 de Outubro de 2000, vigésimo terceiro ano de Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. II
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