sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Que é uma igreja oriental “sui iuris”?
A Igreja é comunhão: Magna illa communio quam efficit Ecclesia, dizia o Papa Paulo VI [1]. De fato, a comunhão é essencial à natureza da Igreja. A própria comunhão da Igreja tem dois aspectos: a comunhão dos Santos, que une a Igreja peregrina na terra com a Igreja celeste, e lhe dá seu caráter escatológico, e a comunhão eclesiástica.
A comunhão eclesiástica une todos os batizados na Igreja Católica ou acolhidos nela, que estão unidos com Cristo pelos vínculos da profissão da própria fé, dos sacramentos, do regime eclesiástico e da comunhão. Esta comunhão eclesiástica constitui a plena comunhão católica.
Os fiéis católicos de uma igreja particular, portanto também de uma igreja oriental sui iuris, estão na comunhão eclesiástica plena com a Igreja Católica, dado que seus bispos conservam a comunhão hierárquica com o Bispo de Roma e o Colégio dos Bispos.
A Ecclesia Universa está constituída pela comunhão das diversas Igrejas do Oriente e do Ocidente e de modo particular pelas que são matrizes da fé fundada pelos Apóstolos e seus sucessores.
Esta comunhão entre as igrejas orientais sui iuris e a Sé Apostólica de Roma é expressada e manifestada, de forma concreta, no Código dos Cânones das Igrejas Orientais. De fato, um dos papéis fundamentais do Código, segundo João Paulo II [2], é indicar a Igreja como comunhão e, como consequência, determina as relações que devem existir entre as igrejas orientais sui iuris e a Igreja universal.
Antes de analisar a manifestação concreta desta comunhão hierárquica, é necessário apresentar o sentido do termo igreja sui iuris.
No Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium, a noção de “igreja sui iuris” é técnica. Trata-se de uma novidade na história do direito canônico oriental e ocidental [3]. A noção se dá para indicar a igreja oriental que está em comunhão com Roma.
A Pontificia Commissio Codex Iuris Canonici Orientalis Recognoscendo não quis adotar o termo “igreja particular” para indicar a igreja oriental, pois este termo indicava no Codex Iuris Canonici só a diocese e nada mais. A comissão preferiu a proposta de “igreja sui iuris”. É interessante o fato de que esta proposta teve a maioria por um só voto; recebeu de fato seis votos favoráveis contra os cinco que queriam manter o termo do Concílio Vaticano II “igreja particular”, e duas abstenções [4].
A definição da noção de “igreja sui iuris” encontra-se no can. 27 [5]. Chama-se, neste Código, igreja sui iuris um agrupamento dos fiéis cristãos junto com sua hierarquia, segundo direito, que a Suprema Autoridade da Igreja reconhece expressa ou tacitamente como sui iuris.
Deste cânon se desprendem duas particularidades:
A primeira a se sublinhar é que a definição da igreja sui iuris é uma definição técnica, quer dizer, que não está separada do código, mas é relativa a ele O código não define a igreja sui iuris em si, mas diz o que entende quando menciona a noção “igreja sui iuris”. Assim fazendo, o código substitui a noção “igreja particular sui ritus”, usada no Concílio Vaticano II.
A segunda é que tal definição evidencia os quatro critérios essenciais para definir uma igreja como igreja sui iuris:
– Um agrupamento de fiéis cristãos, coetus christifidelium: tal termo indica “a unidade interna e a homogeneidade cultural, social e espiritual” [6] de uma comunidade de fiéis. Indica no fundo uma assembleia do povo de Deus [7] unida na cultura, na vida social e na vida espiritual.
– Este coetus christifidelium está unido e governado por sua própria hierarquia. Esta hierarquia “une este agrupamento em uma determinada comunidade eclesial compacta e hierarquicamente organizada como uma igreja. Este grupo de fiéis tem uma hierarquia como elemento orgânico de coesão” [8]. O papel fundamental, portanto, de tal hierarquia é governar o agrupamento dos fiéis e garantir sua unidade segundo o direito [9].
– Este coetus christifidelium com a própria hierarquia está constituído segundo o direito. Um critério que garante a legitimidade da igreja sui iuris.
– O reconhecimento da Suprema Autoridade da Igreja de modo expresso ou tácito é o quarto critério para definir um agrupamento de fiéis, unido pela própria hierarquia segundo o direito, como igreja sui iuris. Tal ato de reconhecimento pela parte da Suprema Autoridade constitui a comunhão hierárquica entre uma igreja tal e a igreja universal. Deve-se sublinhar que “a comunhão hierárquica com o Romano Pontífice, entendida como unidade e realidade orgânica, é, em consequência, um elemento constitutivo do status canônico de Ecclesia sui iuris [10].
Os primeiros três critérios são critérios internos e explicam a natureza da igreja sui iuris a partir de dentro. Enquanto o quarto – o reconhecimento – é um critério externo e formal que garante a comunhão da igreja sui iuris com toda a Igreja de Cristo [11].
Com este reconhecimento, atribui-se à igreja sui iuris uma autonomia relativa. De fato, a Suprema Autoridade não se limita, simplesmente, a reconhecer uma igreja sui iuris, mas que define, sobretudo, sua autonomia e dependência, e ademais sua relação com a Sé Apostólica através dos cânones do Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium.
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1. Cfr. AAS, 69 (1977), 147- 153, n. 148.
2 . Cfr. JOÃO PAULO II, Constituição Apostólica Sacrae Disiplinae Leges, (25. I. 1983), em AAS, 75 (1983), pars. II, 12.
3. Cfr. Idem. 205.
4. Cfr. E. EID, Rite, Église de Droit Propre e Juridiction, 11 e cfr. Nuntia, 19 (1984), 5.
5. O can. 27 é um cânon novo, não tem uma correspondência nem nos códigos de 1917 e de 1983, nem na codificação oriental precedente. Estes com o can. 28 foram um objeto de grande trabalho; ver Nuntia, 3 (1976), 45- 47; 22 (1986), 22- 24 e 28 (1989), 18- 20.
6. E. SLEMAN, De Ritus à Ecclesia sui iuris, in L’année canonique, 41 (1999), 268.
7. Cfr. D. SALACHAS, Autonomie des Églises Orientales, en L’année canonique, 38 (1996), 75- 90.
8. D. SALACHAS, Le Chiese “sui iuris” e i Riti, en Commento al Codice dei Canoni delle Chiese Orientali, dirigido por P. V. PINTO, Libreria Editrice Vaticana, 2001, 38.
9. Cfr. E. SLEMAN, De Ritus à Ecclesia sui iuris, 268.
10. D. SALACHAS, Le Chiese “sui iuris” e I Riti, 38
11. Cfr. Idem.
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