quinta-feira, 30 de setembro de 2010
A dimensão da Teologia da Palavra na Liturgia
O MISTÉRIO DA PALAVRA DE DEUS
A Palavra de Deus é a primeira e a fundamental realidade à qual se liga todo o desenrolar do mistério cristão. A Palavra não representa apenas certo aspecto secundário da ação de Deus, mas, ao contrário, abrange toda a revelação.
Com a Palavra, Deus cria o céu e a terra; por meio da Palavra, ele se revela aos homens; pela proclamação da Palavra, nossa Salvação se torna ato, se realiza. Deus, falando, cria e opera toda a obra da Salvação.
A palavra de Deus é acontecimento, onde o Pai entra na história, onde o Filho prolonga o mistério de sua Páscoa e o Espírito atua com sua força. As celebrações da Palavra de Deus, especialmente aos domingos, fundamentam-se no caráter sacerdotal de cada batizado e batizada. “Ele fez para nós um Reino de sacerdotes”, nos recorda o Apocalipse. “Ele te unge sacerdote”, repetimos em cada celebração batismal. Isso é, cada celebração da Palavra é uma forma do povo consagrado “proclamar as maravilhas daquele que nos chamou das trevas à luz”.
ENCARNAÇÃO DA PALAVRA ETERNA (A PALAVRA E O VERBO)
Deus, que é pleno de amor e misericórdia, quer salvar e fazer com que todas as pessoas cheguem ao conhecimento da verdade (cf. SC 5).
Desde o Antigo Testamento vemos um Deus bondoso, que planejando e preparando com solicitude a salvação das pessoas, escolhe um povo a quem confia suas promessas (cf. Gn 15,18; Ex 24,8) e se revela, por meio de palavras e obras, a este povo eleito, como Deus único, vivo e verdadeiro (cf. DV 14).
As ações salvíficas eram explicadas pelas palavras dos profetas. Finalmente, quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à lei, para resgatar os que estavam sob o jugo da lei (Gl 4,4); assim a palavra fez-se carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Até então, a comunicação entre Deus e a pessoa humana era de uma maneira fragmentada e por etapas (cf. Hb 1,1). Em Jesus Cristo, essa comunicação é completa, pois Ele é a palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não haverá outra palavra senão essa.
Pela Palavra, que se fez carne (Jo 1,14), toda a carne é chamada a se tornar palavra de louvor a Deus (Hb 13,15). A Palavra de Deus, que fez e faz a história, já está presente na consciência de cada homem, ainda que, por vezes, de modo implícito.
Está presente na obra da criação, onde deixou seus vestígios (sementes do Verbo); esta mesma Palavra é levada às pessoas e aos povos pela evangelização, aprofundada pela catequese, celebrada pelos sacramentos e concretizada na vida diária.
CRISTO É A PERFEITA ENCARNAÇÃO DA PALAVRA
Cristo, sendo o Deus que revela, é, ao mesmo tempo, o Deus revelado. O Deus verdadeiro que Ele ensina é o Deus por Ele anunciado e nele reconhecido, assim como ao confessarmos o Filho confessamos também o Pai. Cristo é a verdade que nos liberta da mentira, o Amor que nos livra da solidão de nosso egoísmo. “Ele é a Verdade e a Vida” (Jo 14,6), a Verdade que nos ensina (Tt 2,12), “ouvi-O”, diz-nos o Pai (Mt 7,5).
O Cristo não pode ser comparado, sob este ponto de vista, com Buda, Maomé, Confúcio ou qualquer outro fundador de religião. Nas outras religiões, a doutrina e seu objeto distinguem-se do fundador. Aqui, pelo contrário, a doutrina do Cristo tem o Cristo como objeto. Nossa fé é a fé no Cristo como Deus. A salvação é uma opção a favor ou contra Cristo. O Cristo é, pois, a plenitude da revelação.
A Palavra é viva quando o interlocutor está presente e ela soa atualmente de sua boca.
DIMENSÃO CRISTOCÊNTRICA DA PALAVRA
Cristo: centro, mediador e plenitude da revelação
Jesus Cristo, encarnado na história humana até ao ponto de dar a vida para a salvação do mundo, é o centro e a plenitude da revelação, por isso é o centro das Escrituras. Toda a evocação da história da salvação gira em torno dele e é a partir dele que é realizada a leitura e interpretação da Sagrada Escritura – Antigo e Novo Testamento. Em Cristo tudo tem sentido, tudo fica esclarecido e tudo se orienta para ele, pois, principalmente pelo mistério pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão, completou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus (cf. SC 5).
A comunidade reunida em oração, pelo poder do Espírito Santo, anuncia e celebra o mistério pascal de Cristo, cada vez que proclama os dois testamentos. “No Antigo está latente o Novo, e no Novo se faz presente o Antigo. O centro e a plenitude de toda a Escritura e de toda celebração litúrgica é Cristo; por isso, deverão beber de sua fonte todos os que buscam a salvação e a vida”( Introdução do Ordo Lectionum Missae, n. 5. Ver também Dei Verbum, n. 2, 3, 7, 15, 16, 24).
A igreja, praticante da palavra de Deus
Podemos dizer que a palavra faz a Igreja e a Igreja faz nascer a palavra, não no sentido de inventá-la, mas ao encarná-la e atualizá-la em sua realidade. Vejamos a afirmação do Ordo Lectionum Missae: “A Igreja cresce e se constrói ao escutar a palavra de Deus, e os prodígios que de muitas formas Deus realizou na história da salvação fazem-se presentes, de novo, nos sinais da celebração litúrgica, de um modo misterioso, mas real; Deus, por sua vez, vale-se da comunidade dos fiéis que celebra a liturgia, para que a sua palavra se propague e seja conhecida, e seu nome seja louvado por todas as nações. Portanto, sempre que a Igreja, congregada pelo Espírito Santo na celebração litúrgica, anuncia e proclama a palavra de Deus, se reconhece a si mesma como o novo povo, no qual a aliança, antigamente travada, chega agora à sua plenitude e perfeição. Todos os cristãos, que pelo batismo e a confirmação no Espírito se converteram em mensageiros da palavra de Deus, depois de receberem a graça de escutar a palavra, devem anunciá-la na Igreja e no mundo, ao menos com o testemunho de sua vida. Esta palavra de Deus, que é proclamada na celebração dos divinos mistérios, não só se refere às circunstâncias atuais, mas também olha o passado e penetra o futuro, e nos faz ver quão desejáveis são as coisas que esperamos, para que, no meio das vicissitudes do mundo nossos corações estejam firmemente postos onde está a verdadeira alegria” (OLM 7).
A palavra edifica a Igreja, povo de batizados, que reunida em assembléia, movida pelo dom do Espírito Santo, abre o ouvido do coração para escutar, celebrar e mais ainda, para proclamar e anunciar o acontecimento da salvação.
Somente a presença de Cristo impede que a Palavra se transforme em mero documento histórico. A Igreja tem o privilégio dessa presença, porque ela se identifica com o Cristo: ela é a sua continuação. Onde, pois, está a Igreja, aí está sua Palavra viva.
DIMENSÃO SACRAMENTAL DA PALAVRA
Nos sacramentos, a palavra opera aquilo que anuncia: é eficaz, operante, para santificar aquele que a acolhe como dom de Deus. Aí se realiza o pacto da Aliança e tudo deve convergir para a realização plena e diária desta Aliança.
A Palavra lembrada e realizada no sacramento deve transformar a existência do ouvinte. A liturgia realiza, pois, o contínuo diálogo de Deus com seu povo reunido.
O Senhor ora interpela, ora ensina, ora exorta, ora “diz e faz”. A assembléia, por sua vez, escuta, responde, medita, suplica, dá graças, até identificar-se com a Palavra.
A celebração da Palavra é um verdadeiro ato litúrgico. Tem força sacramental. Cristo se torna presente e nos faz participantes de seu mistério pascal pela reunião da comunidade, pelas leituras proclamadas e comentadas, pelos cantos e orações. O Concílio Vaticano II diz: “É Cristo mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja. Ele está presente quando a Igreja ora e salmodia” (SC 7). Ele que prometeu: Onde dois ou três estiveram reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles (Mateus 18,20).
A reunião dos irmãos e o amor que os une, torna visível, palpável e manifesta a união com Jesus Cristo e com o Pai, no Espírito Santo. Não só torna visível, mas faz também crescer nossa união com Ele.
Assim como a Eucaristia, também a Palavra é Pão da Vida. “Eu sou o Pão da Vida: quem vem a mim já não terá fome e quem crê em mim, jamais terá sede... As Palavras que vos tenho dito são espírito e vida...” (Jo 6,35.65).
O único Pão da Vida é partilhado de duas maneiras: à mesa da Palavra e à mesa da Eucaristia, representadas respectivamente pela Estante da Palavra e o Altar. São duas formas diferentes e complementares da presença real de Jesus no meio de seu povo para realizar nele a sua Páscoa.
“Em Jesus Cristo a palavra de Deus não só se tornou audível, mas visível”. “O verbo se fez carne e habitou entre nós”.
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