quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Litugia o que é mesmo?





A palavra LIT - URGIA vem da língua grega: laos = povo e ergon = ação, trabalho, serviço, ofício... Unindo os dois termos que formam a palavra, encontramos a raiz mais profunda do significado da LITURGIA, ou seja: AÇÃO, trabalho, serviço do povo e realizado em benefício do povo, isto é: um serviço público, como dizemos hoje.

Este sentido primeiro da palavra nos ajuda a buscar o que deve ser hoje a LITURGIA CRISTÃ em nossas comunidades, sobretudo depois de séculos de história em que a liturgia ficou reduzida a uma ação realizada por ministros ordenados ( bispo, padre...) para o povo. Era uma ação em que o povo não tomava parte, apenas “assistia” como expectador e, muitas vezes, sem compreender o que estava sendo feito.

Graças ao Concílio Vaticano II, realizado há mais de quatro décadas, voltamos ao sentido genuíno da Liturgia, como AÇÃO do povo batizado e, por isso todo ele SACERDOTAL, chamado ao louvor de Deus e à transformação e santificação da vida e da história. Uma ação conjunta em parceria com o próprio Deus, numa dinâmica de aliança e participação cada vez mais “ativa, consciente, plena e frutuosa.”

Mas, de que Ação se trata? Que trabalho é este que podemos considerá-lo “fonte e cume” de nosso ser e de nosso agir cristão?
Contemplando com o olhar da fé nossa história, constatamos que Deus se manifesta sempre agindo amorosamente e, sua ação é permanente SERVIÇO À VIDA, um bem que atinge toda a humanidade e todo o cosmo. É sempre ação criadora, libertadora, transformadora e santificadora que, não só nos atinge, mas nos envolve e nos torna agentes, participantes desta sua ação, numa aliança de amor e compromisso.
A maneira mais concreta, perfeita e plena de Deus agir a nosso favor foi através de Jesus, o Verbo encarnado, o Filho amado que se fez irmão e servidor (liturgo) com sua encarnação, vida, paixão e principalmente pela sua morte e ressurreição. E mais, entregou-nos sua força, energia divina, seu Espírito, pelo qual nos faz capazes de AGIR também como filhos/as amados de Deus Pai, realizando e continuando com Ele esta ação libertadora, redentora a serviço de vida abundante para todos e seu Reino se estabeleça definitivamente.
Portanto, o sentido mais amplo da Liturgia é toda esta ação realizada por Deus, em Jesus Cristo e, através do seu Espírito em nós e através de nós a toda a humanidade.

CELEBRAÇÂO LITÚRGICA – O QUE É MESMO?

Toda a AÇÃO a favor da Vida é LITURGIA, no sentido amplo da palavra. É participação no serviço libertador de Jesus. Sendo isto Liturgia, será preciso ainda CELEBRAR? Não basta apenas AGIR, lutar a favor da vida para sermos seguidores de Jesus e coerentes com seu evangelho, cuja lei é o AMOR?
O que é mesmo a liturgia - celebração? Qual sua importância para a liturgia-vida?
Celebrar é uma ação comunitária, festiva que tem a ver com tornar célebre, importante, inesquecível, é destacar do cotidiano, é ressaltar o significado, o sentido profundo que um acontecimento ou pessoa tem para um determinado grupo.
Todos temos necessidade vital de celebrar, assim como temos necessidade de pensar, de agir, de nos relacionar, de comer e beber... Como seres humanos, somos essencialmente celebrantes. Em todos os tempos e variadas culturas, os povos encontram momentos e formas diversas de celebrar para expressar e aprofundar o sentido da vida.
Para celebrar usamos gestos, ações simbólicas, ritos e palavras que expressam o que pensamos, o que acreditamos, o que desejamos, o que esperamos, o que amamos ou rejeitamos... enfim, a visão que temos da pessoa, do mundo, da sociedade, de Deus ... nossas crenças, nossas convicções, nossa identidade como grupo, como povo... É só pensar nos símbolos, gestos, ritos e palavras que usamos num carnaval, numa festa de aniversário, de casamento, numa Folia de Reis, num batizado.
Na caminhada de fé do povo da Bíblia, encontramos muitos momentos celebrativos. Ao celebrar, o povo de Israel fazia memória das ações que Deus realizara em seu favor no passado, as reconhecia no presente e alimentava a certeza de sua fidelidade no futuro.
O próprio Jesus quis tornar célebre, inesquecível todo o seu trabalho a favor da humanidade. Ele expressou com a ação simbólica de uma refeição, a CEIA PASCAL, o significado profundo de toda sua vida e missão : “sua liturgia-vida”.
Ele antecipou com um rito, a doação de sua vida na cruz, preparou-se e preparou seus discípulos para viverem a HORA de entrega e de amor sem limites.
A liturgia-celebração e a liturgia-vida foram inseparáveis na vida do povo de Deus, na vida de Jesus, na vida dos primeiros cristãos, assim como devem ser inseparáveis na vida de nossas comunidades.
Celebrar a liturgia é portanto, expressar com gestos, símbolos e palavras a liturgia–vida; é tornar célebre, inesquecível a ação que o Pai realizou em Jesus e através dele a toda a humanidade e continua hoje, em nós e através de nós e de todos que aderem ao projeto do Reino pela força e animação de seu Espírito.

A historia da Salvação

No inicio dessa historia está a vontade de Deus de “salvar e fazer chegar ao conhecimento da verdade todas as pessoas humanas”. (SC artigo 5,a natureza da liturgia), para conseguir isso, Deus acompanha toda a historia, particularmente do seu povo eleito, comunicando-se com ele sobretudo pelos profetas, mas finalmente por seu próprio Filho. Ele completou a obra da redenção da humanidade e da glorificação de Deus principalmente pela sua morte e ressurreição. Neste primeiro artigo, o Concilio como que prolonga esta historia de Deus com a humanidade dizendo que por Jesus Cristo “nos foi comunicada a plenitude do culto divino” e que “do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda Igreja”. (Santo Agostinho)

A vontade de Deus de salvar a humanidade, seu eterno plano de salvação, que é a fonte de toda a historia que chega a seu ponto culminante na páscoa do seu Filho, revelando assim que é um Deus de amor. Este é o grande mistério da fé que celebramos na liturgia.
A santificação das pessoas humanas e a glorificação de Deus são a finalidade da historia da salvação, como também da liturgia. A Igreja e a liturgia nasceram do coração de Jesus.

O Mistério Pascal

O Concilio Vaticano II diz em sua constituição sobre a liturgia: “Esta obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas operadas no povo do antigo testamento, completou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal de sua paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão.
Por este mistério, Cristo, morreu, destruiu a nossa morte e ressuscitou, recuperou a nossa vida (prefácio da páscoa). Pois do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja.
O mistério pascal é, portanto, a páscoa de Jesus que ele viveu, há quase dois mil anos, sua paixão, morte, ressurreição e ascensão. Esta páscoa, no entanto, é o ponto culminante de toda a vida e obra pascal de Jesus. No entanto, desde que Jesus, que se tinha tornado um de nós pela encarnação, nos uniu a si pelo dom do Espírito Santo, que é fruto da sua páscoa, somos um com ele e ele conosco como membros do seu corpo místico, como filhos e filhas do Pai do céu. Assim também nossa vida e historia são vida e história de Cristo glorioso. Portanto, nosso sofrer e vencer são participação da morte e ressurreição de Cristo, da sua páscoa. A Páscoa de Cristo continua na páscoa do povo. (docum. De Medellín, introd. N. 5-6).

Como memória, a liturgia é momento da historia da salvação

“Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também ele enviou os apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para pregarem o evangelho(...) mas ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da salvação através do sacrifício e dos sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica” (Sacrosanctum Concillium artigo 6).
Para levar a efeito obra tão importante Cristo está sempre presente em sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas.
Como é que na liturgia pode acontecer salvação?
A liturgia não é uma ação meramente humana. Cristo está presente na celebração litúrgica como agente principal. Convém recorrer ao conceito de memória, para entendermos bem a eficácia salvífica da liturgia. Memória litúrgica não é um simples lembrar. Lembramos sim, a páscoa histórica de Cristo e do seu povo, mas a lembramos na presença de cristo e na força do Espírito Santo. Lembrando a pessoa e a obra de Cristo nos abrimos para ele. Como ele nos diz no livro do Apocalipse, ele está à porta e bate. Se abrirmos a porta, ele entra para cear conosco (cf. Ap 3,20). Isso quer dizer que ele entra em comunhão íntima conosco, e esta comunhão de vida entre Deus e nós é salvação.

COMO UMA CASA
Ione Buyst

O sonho de toda família é ter sua casa: um lugar para morar, guardar suas coisas, ficar à vontade, brincar com os filhos, convidar os amigos... O sonho leva às vezes anos e anos para se realizar. As economias são poucas e tudo está muito caro. Pouco a pouco, os alicerces vão sendo colocados, as paredes vão subindo devagar, já dá para andar por cada um dos cômodos, o vão das janelas e das portas estão aí aguardando o futuro acabamento. Quando se terminou de colocar a laje... que vitória: já dá para morar... Só que para se ter uma ‘casa’ de verdade, não bastam o prédio: o alicerce, as paredes, portas e janelas, uma laje... Tudo isto é absolutamente necessário, porém, é também absolutamente insuficiente. Porque casa é lar! Casa é convívio, abrigo, amparo, aconchego, proteção, encontro, carinho, cuidado, comunhão... Só as paredes não bastam.

Liturgia é como uma casa. É absolutamente necessário cuidar da estrutura da celebração, de cada um de seus elementos: os ritos iniciais, a liturgia da palavra, as leituras, o salmo, a música, a liturgia eucarística, os ritos finais, o espaço litúrgico... É preciso escolher cuidadosamente os cantos de acordo com o tempo litúrgico e cada momento da celebração. É indispensável preparar bem as leituras, a homilia, as preces, escolher a oração eucarística com seu prefácio, pensar em alguma ação simbólica relacionada com o evangelho do dia ou com o tempo litúrgico. Cada ministério deve saber o que lhe cabe fazer e preparar sua parte.
No entanto, só isto não basta; ainda é absolutamente insuficiente. Porque liturgia é para ser ‘lar’, encontro transformador com o Deus que nos acolhe em seu aconchego e renova nossa vida no encontro com ele, como renovou a vida de Abraão, de Moisés, de Elias, de Maria, de João Batista, de Simão Tiago, André, João, Maria Madalena, Lázaro, Marta e Maria, Paulo, Lydia e tantas outras pessoas... Para que isto aconteça, não basta uma liturgia tecnicamente perfeita. Se não for capaz de nos arrancar de nossa mesmice, de iluminar os olhos de nosso coração para perceber a presença do Mistério em nossa vida, se não for capaz de criar convivência e calor humano, de fazer acontecer o encontro, a relação com Deus e entre nós aqui e agora... não há liturgia de verdade. É casa-parede, mas não é ainda a casa-lar onde se possa morar e se abrigar em tempos de felicidade, como em tempos de dúvida, de incerteza, de desesperança, de rejeição, de desamor... Frieza, impessoalismo, indiferentismo, desinteresse... impedem que a liturgia aconteça. Porque liturgia é celebração de aliança, de comunhão; é questão de se criar laços, conhecer pelo nome, reconciliar, interessar-se uns pelos outros, estar atento, cuidar...
Por isso, tanto na preparação como durante a celebração, cada momento deve vir entranhado de atitude orante, de carinhosa devoção, de mística intimidade com Deus.


Perguntas para a reflexão pessoal e em grupos:
1- O que você procura quando vai a uma celebração? Você se contenta em ‘cumprir a obrigação’?
2- O que ajuda e o que atrapalha você a viver a liturgia como um encontro acolhedor e transformador na ‘casa’ do Deus vivo?
3- Que sugestões teria para melhorar as celebrações de sua comunidade neste sentido?

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