Estatutos da Irmandade de Nossa Senhora das Dores
(Abril de 1769)
ESTATUTOS DA IRMANDADE DE N.ª SR.ª DAS DORES
(Abril de 1768)
O documento escolhido para este mês de Setembro está relacionado, como não podia deixar de ser, com a festa que se
vive na Póvoa, todos os anos por esta altura - a Festa em honra de Nossa Senhora das Dores. Trata-se de um
documento de 1769, intitulado de Estatutos da Irmandade de Nossa Senhora das Dores * e pertencente à série
documental Estatutos. Documento este que, e tal como alguns outros que o Arquivo Municipal custodia, faz parte de
um grupo de documentos designado de Reservados, ou seja, não estão disponíveis para consulta, apenas e só
mediante requerimento expresso e que justifique a mesma.
Nossa Senhora das Dores é um dos muitos títulos pelos quais a Igreja Católica venera a Virgem Maria, sendo sob essa
designação que é objecto de culto em Portugal. Pode também ser chamada de Nossa Senhora da Piedade, Nossa
Senhora da Soledade, Nossa Senhora das Angústias, Nossa Senhora das Lágrimas, Nossa Senhora das Sete Dores,
Nossa Senhora do Calvário ou ainda Nossa Senhora do Pranto, e invocada em latim como Beata Maria Virgo Perdolens,
ou Mater Dolorosa.
Na Póvoa, o culto da Mãe de Jesus sob aquela invocação remonta a 1768, ano em que foi colocada uma imagem na
antiga capela do Senhor do Monte, curiosamente o mesmo ano do documento em destaque, da criação e estatutos da
Irmandade de Nossa Senhora das Dores. Um documento interessante, dividido por capítulos, dos quais podemos
destacar: “Cap. 1º - Haverá nessa Irmandade de Nossa Senhora das Dores hum juiz, hum escrivão, hum thezoureiro,
hum zelador, hum procurador, e três mordomos, cada hum terá particular cuidado em cumprir com a sua obrigação.
Cap. 2º - O Juiz será dos principais homens da freguesia, ou de fora (…) , ou secular, que saiba governar, e reger o que
for conveniente (…). Cap. 3º - O escrivão (…) que saiba ler e escrever (…). Cap. 4º - O thesoureiro (…) receberá todo o
rendimento e fabrica da Irmandade e todas as esmolas que o zelador lhe der (…). Cap. 5º - O zelador será (…) de boa
consciência (…). Cap. 6º - O procurador será homem abonado e diligente (…). Cap. 7º - Os mordomos serão três
homens deligentes nas suas obrigações, acompanharão a sepultura os irmãos defuntos (…). Cap. 8º - A irmandade
encorporada sahirá no dia da festa da Senhora, e todas as vezes que ella sahir em procição e também nas procições da
festa da Padroeyra, festa do Sacramento, festa do Rozario, dia da Páscoa da Ressurreição e dia do Corpo de Deos .Cap.
9º - O dia da festa da Senhora será no quarto Domingo de Julho de casa anno, porem se o dia de Santhiago ou dia de
Sta. Anna forem ao Domingo nesse anno se mudará o dia da festa da Senhora para o primeiro Domingo de Agosto, e
na véspera da festa sahira a Senhora da sua Capella em procição com a Irmandade encorporada debaixo da sua cruz
para a Matriz, para na Matriz se celebrar a sua festa com o sacramento exposto e sermão, e de tarde sahira em
procição pelas ruas publicas desta villa para a sua Capella, o que se fará com toda a solemnidade (…). Villa da Povoa de
Varzim, Abril 24 de 1769 annos (…)”1. Uma exposição clara de como estava organizada esta Irmandade.
Existe ainda, também nos tais Reservados, um Livro que há-de servir para se assentarem os Irmãos da Irmandade de
Nossa Senhora das Dores *, datado de Abril de 1772. Pouco tempo, portanto, após a criação dos Estatutos da mesma.
Trata-se de uma listagem de todos aqueles que pertenciam à Irmandade.
A grande adesão àquele culto exigiu a criação de um templo próprio, a Igreja da Senhora das Dores da Póvoa de
Varzim, que teve a sua origem no século XVIII mas que só ficou concluído no princípio do século XIX. Esta Igreja
encontra-se num local ligeiramente elevado onde era anteriormente venerado o Senhor do Monte numa antiga ermida.
A alteração da evocação ocorreu a partir de 24 de Julho de 1768, quando o arcebispo concede autorização para a
colocação da imagem da Senhora das Dores na ermida a um grupo de estudantes de Gramática Latina, ajudados por
alguns moradores. A partir daí deu-se o início de uma campanha que visava remodelar a antiga ermida, passando a
denominar-se Capela da Virgem Santíssima Senhora das Dores.
No dia 8 de Junho de 1784, regista-se uma curiosa procissão em que a imagem da Senhora das Dores é conduzida a
Nosso Senhor Jesus Cristo Crucificado da Misericórdia, a fim de, por intercepção da Senhora das Dores, esta faça cair
a chuva para as terras serem produtivas.
1 in Estatutos da Irmandade de Nossa Senhora das Dores | ISD / 22 (R) | Abril de 1769
Em 1866 ficaria com o aspecto que tem hoje, com a construção de seis capelas circundantes com esculturas que
representam as dores da Nossa Senhora (a profecia do velho Simeão; a fuga para o Egipto; a perda e encontro do
menino Jesus no templo com os doutores da lei; a caminho do Calvário; a crucificação e a descida da cruz), estando a
sétima dor figurada no altar-mor. Na primeira metade do séc. XX, esta capela era já um activo centro mariano. De
resto, considerada imóvel classificado de interesse público.
No dia da festa, a peregrinação dos visitantes à igreja começa bem cedo pela manhã, percorrendo em oração as seis
capelinhas em redor onde se podem admirar, em figuras de tamanho natural, cenas representativas de passos da
paixão de Cristo - as seis primeiras dores de Nossa Senhora. A sétima dor - a “Soledade”, como já referimos, está
representada no altar-mor por uma bela imagem de Nossa Senhora das Dores.
Todos os anos, no terceiro Domingo de Setembro, encerrando uma semana de actos litúrgicos, tem lugar a procissão
em honra de N.ª Sr.ª das Dores, préstito religioso esse que começou por se realizar no quarto domingo de Agosto para
se fixar desde o início do século passado no terceiro domingo de Setembro.
Pelas 16 horas o cortejo religioso forma-se e sai, para as ruas da cidade, um desfile de andores e anjinhos. Centenas de
penitentes e devotos desta santa integram a procissão, pagando promessas feitas em momentos de aflição e que a
Senhora atendeu. Também se ouve cantar e rezar o terço ao longo do percurso, à medida que a procissão atravessa
alas infindáveis de gente que faz questão de assistir e participar na homenagem a esta Santa.
No final recolhe, na Igreja de Nossa Senhora das Dores, no adro da qual o ritual se repete todos os anos, o andor da
santa que é o último a chegar, onde os outros já o esperam em jeito de corredor formado para recebê-la, que então se
vira para o povo e este acena com lenços brancos, despedindo-se de forma comovente.
Decorre então, em meados de Setembro, esta festividade com tradições seculares onde, para além dos tradicionais
festejos com espectáculos de variedades, fogo preso e grandiosa procissão, ressalta a típica e muito concorrida feira
da louça.
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